domingo, 31 de agosto de 2008

Conto (13): "HISTÓRIA VERÍDICA", de Julio Cortázar

História Verídica

Um senhor deixa cair no chão os óculos, que fazem um barulho terrível ao bater nos ladrilhos. O senhor se abaixa aflitíssimo porque as lentes dos óculos custam muito caro, mas descobre assombrado que por milagre elas não se quebraram.

Então, esse senhor sente-se profundamente grato, e compreende que o acontecimento vale por uma advertência amigável, de maneira que se dirige a uma ótica e compra logo um estojo de couro acolchoado, comproteção dupla, como precaução. Uma hora depois deixa cair o estojo e ao abaixar-se sem maior precaução verifica que os óculos viraram farelo. Esse senhor leva tempo para compreender que os desígnios da Providência são insondáveis e que na realidade o milagre aconteceu agora.

 

(Julio Cortázar, no sortimento Matéria Plástica do livro "Histórias de Cronópios e de Famas". Tradução de Glória Rodríguez)

 

5 comentários:

  1. "os desígnios da Providência são insondáveis..." ;-)

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  2. Eu sou aquela que nunca carrega a capinha dos óculos...
    E sempre que os quebrei, foi porque sentei neles ou no sofá, ou na cama...

    Faz tempo que não uso óculos... me fez lembrar que preciso ir ao oftalmo...

    Conto curto e maravilhoso!
    Adorei!

    Beijos!

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  3. Cortázar é sempre fantástico, Renata! ;-)

    Beijão!!

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  4. Além da superfície vemos sentidos impensáveis, que extrapolam as precauções humanas, (pseudo)remediadoras dos fatos temidos... Os deuses haverão de ser enigmáticos e não se deixarem engaiolar com previsões banais... aí está mesmo o milagre, que é fruto do impensado, do inesperado, do impossível.É no berço do impossível que estão os deuses a rir da ingenuidade dos humanos que anseiam o saber absoluto de suas ações (a ambiguidade aqui tambem é proposital). Gostei muito do texto. Com certeza, Cortázar é muito fantástico *-* os homens desaprenderam a olhar para o inesperado com olhos de espanto... aprenderam a banalizar até mesmo o sagrado... eis que nas entrelinhas está o espanto, inaudível, sem explicação, muito além de maus sortilégios ou agouros *-*

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