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domingo, 10 de agosto de 2008

O QUE É UM CRONÓPIO?

Muita gente me pergunta o que significa "cronópio". Esta é uma pergunta para a qual não existe uma resposta objetiva. Os cronópios – assim como os famas e as esperanças – nasceram da fértil imaginação do escritor argentino Julio Cortázar, no livro "Histórias de Cronópios e de Famas". O livro reúne pequenos contos de realismo fantástico, surrealismo, absurdo, com muita poesia, ironia e humor, divididos em "Manual de Instruções", "Matéria Plástica", Estranhas Ocupações" (com a apresentação da insólita, divertida e fascinante família da Rua Humboldt) e naturalmente as tais "Histórias de Cronópios e de Famas", onde temos a chance de conhecer melhor esses estranhos seres que têm muito a ver com os seres humanos.

Alguns anos mais tarde Cortázar lançou o livro de ensaios "Valise de Cronópio" (que também dá nome a este site pessoal), com textos sobre o romance, o conto, o poema, Louis Armstrong, o surrealismo, o fantástico, Carlos Gardel, o erotismo na ficção, Thelonius Monk, entre outros sortimentos da valise.

Para tentar descobrir o que são os cronópios, os famas e as esperanças, a tradutora da versão brasileira de "Histórias de Cronópios e de Famas", Gloria Rodríguez, deu algumas pistas preciosas na introdução do livro:

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"‘Histórias de Cronópios e de Famas’, o sexto livro de Julio Cortázar, foi escrito em Roma e em Paris, no período de 1952 a 1959, e publicado em 1962, um ano antes de ‘O Jogo de Amarelinha’, A Encyclopédie Universalis (Paris, 1970), que dedica mais de uma página a Cortázar, dando assim uma medida do prestígio internacional do escritor argentino, qualifica o livro como ‘desconcertante’. E acrescenta: ‘Sobre um fundo de caricatura da vida em Buenos Aires, é uma seleção variada, insólita, de notas, de fantasias e de improvisações. Um humor melancólico, irônico ou violento, cheio de uma curiosa poesia, ali se desdobra num estilo carregado de imagens intensas e de achados verbais e psicológicos’.

O título é o mesmo no original em espanhol. A chave de que se necessita para penetrá-los é universal. Que são cronópios? Que são famas? O leitor irá descobrindo por si mesmo, à medida que entra no mundo fantástico desvendado pelo autor; e nisto achará um prazer que se renova a cada instante. Mas não será nenhum desmancha-prazer adiantar alguns dados rápidos sobre as origens e o temperamento dessas fascinantes criaturas.

O próprio autor, uma noite em Paris, num concerto, assim descreveu os seus personagens: ‘Eram tão estranhos que eu não conseguia vê-los claramente, uma espécie de micróbios flutuando no ar, uns glóbulos verdes que pouco a pouco iam tomando caraterísticas humanas’. A forçados cronópios é a poesia. Eles cantam, como as cigarras, indiferentes ao prosaísmo do quotidiano; e quando cantam, esquecem tudo, são atropelados, perdem o que levam nos bolsos e até a conta dos dias.

Os famas são seres acomodados, prudentes, dados ao cálculo, e embalsamam suas recordações. Se a família vai se hospedar num hotel, mandam um na frente para verificar os preços e a cor dos lençóis. Os famas sabem tudo da vida prática, mas os cronópios sentem por eles uma compaixão infinita.

Além dos cronópios e famas, há também as esperanças. ‘As esperanças, sedentárias – escreve Cortázar –, deixam-se viajar pelas coisas e pelos homens, e são como as estátuas, que é preciso ir vê-las, porque elas não vêm até nós’."

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A minha interpretação, bem simples e direta, é que os cronópios são os artistas, os poetas, os sonhadores, criaturas com sensibilidade à flor da pele, que não ligam para os padrões, modismos e regras da sociedade, que sentem e enxergam além do óbvio e que não conseguem viver sem criar e fazer arte. Os famas são pessoas racionais, sensatas, cerebrais, os cientistas, matemáticos, meticulosos em tudo o que fazem, que só acreditam no que a ciência e o racionalismo podem explicar, mas que apesar de tudo sabem apreciar a arte e a poesia – apesar de em geral não entendê-la muito bem. E finalmente as esperanças, calculistas, mesquinhas, egoístas; os políticos, os militares, os ultra-direitistas, que adoram a censura, o poder, o controle da vida alheia, e que detestam ser contrariados e desobedecidos. Em que categoria você se enquadra?

Em tempo, li "Histórias de Cronópios e de Famas" na adolescência e até hoje ele é meu livro de cabeceira, o livro mais importante da minha vida.