terça-feira, 6 de julho de 2010

Espécies extintas


"Esse Rio de Janeiro! O homem passou em frente ao Cinema Rian, na Avenida Atlântica, e não viu o Cinema Rian. Em seu lugar havia um canteiro de obras. Na avenida Copacabana, Posto 6, passou pelo Cinema Caruso. Não havia Caruso. Havia um negro buraco, à espera do canteiro de obras. Aí alguém lhe disse: 'O banco comprou.' (...)"

(Carlos Drummond de Andrade, na crônica "Os Cinemas Estão Acabando")

* * *

Uma das coisas que mais me dói ao andar pela minha cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro é constatar a extinção dos grandes cinemas de rua. Tudo bem, sei que sou nostálgico, me assumo como tal, sei que há prós e contras quanto à nostalgia, mas tenho saudades do Rio da minha infância e adolescência sim, qual o problema?

A tal da globalização neo-liberal já devastou muita coisa nesse mundo, entre elas as grandes salas de cinema de rua, e deu boas-vindas aos nefastos conglomerados ianques como Cinemark e UCI, entocados nos shopping centers. São salas confortáveis, com apoio pro refrigerante, boa projeção e som digital, mas e daí? O que perdemos com isso? Trocou-se o sagrado ritual de ir ao cinema (ao menos para mim) por "fazer uma horinha" entre uma compra e outra nos movimentados shoppings da cidade. Em vez de comprar um ingresso e poder assistir ao filme quantas sessões desse na veneta - direito inalienável até há alguns anos atrás -, os cineminhas de shopping expulsam você "delicadamente" no fim da sessão. É o mesmo espírito do fast food: o fast movie, de alta rotatividade e a "filosofia" do tô-pouco-ligando-pra-se-você-gosta-de-cinema. Magia do cinema? O que é isso mesmo?

Tenho muitas saudades dos cinemas da minha infância. Lembro bem do cine Azteca (foto da direita, colorida), na rua do Catete, 228, onde hoje funciona o Centro Comercial do Catete. Foi nesse verdadeiro templo que assisti à maioria dos filmes de Walt Disney. Aí e no saudoso cine Vitória, na rua Senador Dantas, no Centro do Rio, que hoje virou estacionamento. Dá para acreditar que esse prédio sensacional da foto, que imitava um templo asteca estilizado, com 1780 lugares, foi posto abaixo para a construção de um centro comercial fuleiro? Pois é. É o tal do "progresso".

Tenho muito orgulho de ter visto "Guerra nas Estrelas", "King Kong" (76) e "Um Passe de Mágica" no grande São Luiz, no Largo do Machado, quando era um cinema só, gigantesco, com vários andares de galerias e um lustre descomunal pendendo do teto. Saboreei "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", "Um Convidado Bem Trapalhão" e "1941" no Pathé, na Cinelândia, segunda sala de cinema do país e hoje lamentavelmente transformado em Igreja Universal. Mergulhei em "20.000 Léguas Submarinas" no cine Império, também na Cinelândia, e do qual hoje não sobrou nenhum resquício, virou um prédio comercial com janelas de vidro fumê.

Viajei com "Blade Runner" no cine Rian (foto embaixo à esquerda), de frente para a Praia de Copacabana, com cerca de 1000 lugares, que em 1983 deu lugar a um hotel. Me assombrei com "O Iluminado" no cine Ópera, na Praia de Botafogo, que virou loja da Casa & Vídeo. Delirei com "Pink Floyd - The Wall", "Janela Indiscreta" e "Paris, Texas" no cine Veneza, fechado até hoje e prometido para ser reaberto como centro cultural. Mas cadê patrocínio? E cadê aquele mega-cinema que abriu o FestRio 1984?

O cine Palácio, no Passeio Público foi um caso à parte. Tido como cinema de referência para os produtores e distribuidores de cinema (já ouvi produtor de cinema brasileiro dizendo que se um filme foi bem no Palácio, iria bem no Brasil inteiro), foi minuciosamente reformado há poucos anos, serviu de sede de alguns festivais de cinema e de outros eventos, pra fechar as portas em definitivo há cerca de dois anos atrás, após ser comprado por um hotel das redondezas. Reformaram a fachada original, dos anos 30, época da inauguração do Palácio, e PRA QUÊ? Pra doer mais ainda vê-lo de portas cerradas, às escuras, com destino incerto. Mas para não fugir à regra, foi no Palácio que esbarrei com Robert De Niro ao sair de uma sessão de "Brazil - o Filme" de Terry Gilliam (onde De Niro fez uma participação). Foi lá também que vi "Alien", "Dublê de Corpo" e "O Iluminado" dublado. Entre centenas de outros filmes.

Porém o cinema do qual mais sinto falta é o extraodinário METRO BOAVISTA (foto), também no Passeio Público, ao lado de onde era a Mesbla (que também acabou e virou Lojas Americanas), simplesmente O MELHOR CINEMA que essa cidade já conheceu. Foi onde me deleitei com a grande maioria dos filmes de Steven Spielberg - entre muitos outros. Quem nunca foi ao Metro Boavista não consegue imaginar como era a experiência sensorial de acompanhar Indiana Jones em busca da Arca da Aliança, das Pedras de Sankhara e do Santo Graal naquela imensa tela côncava, com som impressionante, 952 cadeiras confortabilíssimas, ar sempre gelado e pipoca sempre quentinha. Era o paraíso na Terra para qualquer um que ama o cinema!

Hoje - salvo engano - sobram apenas o Odeon, o Roxy e o Leblon nas ruas do Rio de Janeiro. Enquanto isso a maioria das pessoas se aglomera em salinhas minúsculas nos shopping centers da cidade. E o pior é que acham o máximo! Definitivamente a ignorância é uma bênção.

Quando eu ganhar na mega-sena, compro o Metro Boavista e mostro a vocês como se assiste cinema de verdade.

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