Seis da manhã e o cara de pé, agitado e sorridente. Raridade. Isso porque ele estava trabalhando como fotógrafo de um grande jornal e a tarefa naquele dia era cobrir os saltos dos pára-quedistas da FAB de um grande avião Hércules. O céu estava meio encoberto e batia um vento frio na base aérea de Santa Cruz, bem ao gosto do cara. "E Ele sentiu frio... e viu que isso era bom", costumava repetir.
A intenção do cara era saltar de pára-quedas junto com a equipe e fazer imagens durante a queda. Porém o instrutor que faria o salto duplo com ele estava doente e o capacete com câmera automática acoplada – equipamento fundamental para fazer as fotos naquela situação – estava quebrado. Quando o comandante do vôo lhe deu a notícia, o tempo fechou para o cara. E como o céu abriu com tímidos raios de sol, os pára-quedistas e o cara embarcaram no grande Hércules. Terminadas as entrevistas, o repórter se despediu do amigo fotógrafo, que lhe sussurrou "não posso saltar de pára-quedas mas assim mesmo vou fazer fotos que ninguém jamais fez antes durante um vôo... me aguarde!" e se afastou rindo.
No ventre da baleia voadora, cada um se afivelou nos bancos laterais. Para o cara aquela era uma experiência nova e fascinante. Olhava tudo como uma criança, buscando algo que o ajudasse a fazer "as fotos que ninguém jamais fez antes". Perguntou como seriam os saltos e o comandante lhe explicou que os soldados fariam duas filas ao longo das paredes da aeronave e se lançariam no vazio pelas laterais da grande abertura traseira. O cara notou um longo cabo de aço preso no fundo do avião e logo teve a brilhante idéia. Contou ao comandante e lhe disse que já que não poderia saltar como havia planejado, a FAB não poderia negar-lhe esse pedido.
Assim que o Hércules alcançou a altitude certa para o exercício, o cara foi amarrado no cabo de aço pela cintura. A cloaca retangular do leviatã metálico se abriu e todos a bordo se prepararam. Enquanto os soldados fizeram a última checagem nos pára-quedas, o cara certificou-se de que estava bem preso e seguro. Todos se puseram de pé e formaram duas filas para o salto. O cara caminhou até a borda do abismo com a câmera na mão, virou-se uma última vez e puxou o cabo de aço do cinto. Fincou os calcanhares nos centímetros finais da abertura traseira, inclinou-se cerca de 40 graus para fora e mirou o vazio sob seus pés. Se tivesse acrofobia estaria morto agora, pensou. O comandante deu a ordem e os soldados lançaram-se no espaço, com seus pára-quedas e suas coragens cotidianas. Nas mãos do cara, a Nikon FM-2 registrou tudo, tendo as bordas da abertura como moldura. Assim que os pára-quedistas saltavam eram imediatamente congelados e eternizados em celulóide. Com a vida segura por apenas um tênue cabo de aço, o cara se divertia com tudo aquilo. O Rio de Janeiro era uma grande maquete abaixo dele. O vento, o ronco do motor e as manobras que o avião fazia compunham aquela montanha russa aérea, aquela diversão exclusiva que ele experimentava no horário de trabalho. E enquanto o cara imaginava a queda no abismo, o filme de 36 poses cumpriu o seu dever para o jornal.
Minutos depois a aeronave pousava na pista do Recreio dos Bandeirantes, suave como só um monstro voador sabe fazer. Satisfeito, o cara despediu-se do comandante e caminhou na direção do estacionamento, onde outro carro do jornal o aguardava. Com o resto do dia de folga, ele só lamentava não ter conseguido saltar de pára-quedas. Porém o vôo foi incrível e ficaria registrado em sua memória pelo resto da vida. A dez metros do carro de resgate, uma falha no asfalto barrou o dedão direito do cara e ele despencou de cara no chão, sobre o joelho esquerdo e as duas mãos. A bolsa da câmera também tocou o solo, apesar de bem protegida, com fotos incríveis que ninguém jamais fez antes em seu interior acolchoado. Apesar das palmas raladas e da dor forte no joelho, o cara começou a rir de si próprio, e agradeceu à divina providência por não ter tropeçado uns quinze minutos antes, lá em cima.