
sábado, 30 de maio de 2009
LOVECRAFT E SEUS ECOS NOS DIAS DE HOJE
Horror, cinema e o seu jornal de sábado (Carlos André Moreira) | Mundo Livro
Um bom texto de referência sobre o mestre do indizível.
Pra saber mais ainda quem foi H. P. Lovecraft e conhecer sua obra, dê uma olhada no meu texto e álbum com 160 imagens sobre ele, publicado aqui: http://ozlopesjr.multiply.com/photos/album/57/H._P._LOVECRAFT
quarta-feira, 22 de abril de 2009
DEPOIS - Sete histórias de horror e terror

Description:
Organização e tradução de Heloísa Seixas.
Editora Record, 1998.
“Quando objetos do cotidiano são marcados por uma sugestão de horror, estimulam a imaginação mais do que os objetos de aparência estranha." (“Os Salgueiros”, de Algernon Blackwood)
Uma ótima antologia de contos de horror de autores de talento e prestígio, numa seleção que foge do óbvio e propicia a novas descobertas literárias. Heloísa Seixas está de parabéns como organizadora, tradutora e com fino talento para escolha de excelentes textos.
Ingredients:
“Depois”
de Edith Wharton (1862-1937)
Um casal de americanos abastados procura uma casa tranqüila e o mais precária possível no interior da Inglaterra, e ao perguntarem se o lugar tem fantasma, ouvem da prima da esposa: “Ah, claro que tem sim, mas vocês nunca vão saber”. Essa é a premissa do conto da escritora americana autora de “A Era da Inocência” e uma das favoritas de F. Scott Fitzgerald. O clima bem humorado do início vai dando lugar a algo que parece um sonho estranho, sufocado. A protagonista me faz lembrar alguma heroína angustiada dos primeiros filmes americanos de Hitchcock. No fim fiquei com uma leve sensação de ter sido traído, de que Edith Wharton me entregou não exatamente o que prometeu. Mesmo assim, mesmo tendo saboreado um prato que não pedi, fiquei satisfeito com o bom gosto da “chef”. E um bônus: o conto me deu idéia para escrever meu próprio conto de fantasma. (39 págs.)
“O Túmulo”
de H. P. Lovecraft (1890-1937)
O maior especialista no assunto de toda essa coletânea aparece aqui com uma narrativa mais lúgubre e funesta do que macabra e apavorante, com ressonâncias de seu mestre Edgar Allan Poe. Um jovem aristocrata torna-se obcecado por uma velha cripta abandonada no sopé de um morro, próximo à mansão da família, e por mais de uma década passa a ter delírios que o fazem crer que seu destino é entre os habitantes daquele sepulcro esquecido e amaldiçoado. Quem nunca leu nada do bom e velho HPL e for apresentado à sua literatura através desse “O Túmulo”, não fará idéia do que sua medonha e devastadora imaginação é capaz de produzir. (13 págs.)
“A Janela Aberta”
de Saki (1870-1916)
O curto conto de Hector Hugh Munro (que assinava como Saki) é tanto um exercício de horror quanto de humor, aliás bem ao seu estilo. Pode-se ler como um presságio horrendo e apavorante da mesma forma que pode ser uma piada hilária e infame. Inclusive nos anos 90 (se minha memória não me falta) “A Janela Aberta” foi adaptado para o cinema no Brasil em forma de curta-metragem, tendo Janaína Diniz como a imaginativa protagonista, com extrema fidelidade ao texto original. (5 págs.)
“O Quarto Mobiliado”
de O. Henry (1862-1910)
O mestre dos finais surpreendentes e padrinho dos desajustados e párias da sociedade norte-americana, William Sydney Porter (verdadeiro nome de O. Henry) nos presenteia aqui com um melancólico conto de amor perdido onde as coincidências podem não existir, mas as ironias macabras às vezes podem nos surpreender. Daria um excelente argumento inicial – ou final – para um longa-metragem policial contemporâneo. (9 págs.)
“Chá Verde”
de Sheridan Le Fanu (1814-1873)
O irlandês Le Fanu, o mais velho de toda a coletânea, nos mostra aqui que horror é apenas uma questão de ponto de vista. Criaturas com olhos de fogo, macaquinhos no sótão, entidades fantasmagóricas que vem e vão, abominações perturbadoras não precisam ser necessariamente fenômenos inexplicáveis e coisas do terreno do sobrenatural. E talvez seja justamente isso o que mais perturbe nesse fantástico conto de medo e angústia. (43 págs.)
“Sonata ao Luar”
de Alexander Woolcott (1887-1943)
Como dizia Cortázar (ou seria Hemingway?), um bom conto deve levar o leitor a nocaute. O crítico de teatro e radialista nova-iorquino Alexander Woolcott sabe levar o leitor pela mão através da escuridão até um desfecho impactante de loucura e pavor, em poucas páginas de sua rara e eficaz narrativa de terror. (4 págs.)
“Os Salgueiros”
de Algernon Blackwood (1869-1951)
O melhor ficou para o final. Não é à toa que “Os Salgueiros” é o conto de horror favorito de H. P. Lovecraft e que este também é considerado um dos grandes contos fantásticos da língua inglesa. Dois amigos viajam pelo rio Danúbio numa canoa e decidem acampar numa ilhota no meio do rio cercada por salgueiros durante a noite antes de seguir viagem. Estranhas visões de uma lontra descomunal, um vulto num barco distante, plantas que fazem movimentos não-naturais e a clara sensação de que estão cercados por forças sobrenaturais fazem com que a dupla perceba que está na fronteira de uma dimensão desconhecida, maléfica e perigosa. As primeiras páginas são idílicas como uma pintura de Monet, quase pode-se ouvir a sinfonia Pastoral de Beethoven. Aos poucos o estranho, o insólito, vai se insinuando na paisagem, e quando se percebe, quase se sufoca em meio à ameaça inexplicável dos salgueiros e de uma ameaça que não se entende e não se vê, apenas se sente. (60 págs.)
Directions:
DEPOIS - Sete histórias de horror e terror
Organização e tradução de Heloísa Seixas.
208 páginas. 2a. edição.
Design da capa: Tita Nigri. Ilustração de Mozart Couto.
Editora Record, 1998.
quarta-feira, 25 de outubro de 2006
NAS MONTANHAS DA LOUCURA
Ao contrário da obra de Edgar Allan Poe, que foi largamente adaptada para o cinema, poucos contos de H. P. Lovecraft ganharam versões em celulóide, e os poucos que conseguiram não têm muita relevância (com raras e louváveis exceções).
Há algum tempo vem se falando de uma adaptação do clássico conto Nas Montanhas da Loucura pelo cineasta mexicano Guillermo Del Toro. Ambientado na Antártida e com a apresentação de algumas famosas entidades lovecraftianas, como os shoggoths e os old ones, o longo conto é um dos mais aclamados pelos fãs de Lovecraft. Hoje o site Omelete anunciou a retomada do projeto pelo enfant terrible Del Toro.
Guillermo Del Toro comenta adaptação de livro de Lovecraft
Agora o cineasta diz que tem novos planos para Nas montanhas da loucura, cujo roteiro ele já começara a escrever com Matthew Robbins, seu parceiro em Mutação (Mimic, 1997). Em entrevista ao IGN, Del Toro contou que o filme pode ser seu próximo, assim que ele terminar Hellboy 2: The Golden Army, cuja filmagem começa em janeiro.
"Nas Montanhas da Loucura é um projeto que mantenho há anos. Se conseguir um espaço na agenda eu prefiro fazê-lo imediatamente, para não esfriar o ânimo. Mas tudo sempre depende de vários fatores - criativos, pessoais... -, e sempre que eu prevejo qual será meu próximo filme ele não acontece", diz.
Em Nas Montanhas da Loucura, somos apresentados a uma expedição universitária que descobre fósseis de criaturas desconhecidas e rochas entalhadas com milhões de anos de idade, bem no meio da imensidão gelada da Antártida. O achado é apenas o início de algo muito maior e mais aterrador, um evento que muda o entendimento dos humanos sobre o planeta e suas próprias vidas.
Del Toro disse uma vez que o filme seria o seu Titanic, tão grandioso quanto. Agora já se preocupa com a estrutura. "Os pinguins albinos, a cidade gigante... O duro do livro é que baseia muito no registro da expedição, uma narrativa brilhante, um pouco seca, mas não é muito centrada nos personagens. Muitos deles você só conhece lendo outros livros de Lovecraft", diz.
"É preciso criar uma dinâmica entre personagens e um arco de história que não estão no livro. O horror também é ambíguo no livro e mantido aberto até o final. No filme dá até para você capturar a atmosfera, mas daí você precisa de um clímax", compara. "No livro o que vale no clímax é o que você não vê. E isso, não mostrar nada, vai contra toda a essência do showbiz."
O diretor diz que o processo de criação do filme, até agora, "tem sido bom, o melhor que podemos fazer quando se adapta Lovecraft". Mas não é um projeto fácil, em suas próprias palavras.
terça-feira, 31 de janeiro de 2006
RPG "CALL OF CTHULHU"

O QUE É RPG?
A sigla RPG vem do inglês "RolePlaying Game", e significa "Jogo de Interpretação de Personagem". Basicamente, jogar RPG é isso: entrar na pele de um personagem e interpretá-lo da melhor maneira possível, agindo como ele agiria e pensando como ele pensaria. Fazendo uma analogia com um filme, os jogadores são atores interpretando personagens únicos criados por eles próprios antes do início do jogo. Há um "mestre" que, seguindo a analogia, seria o diretor do filme. O mestre escreve um pré-roteiro com o cenário e as situações que os personagens dos jogadores serão submetidos. A diferença substancial entre um filme e uma partida de RPG é que os jogadores/atores têm a liberdade de agir como acharem que seus personagens agiriam sem seguir um roteiro determinado pelo diretor. O mestre/diretor será uma espécie de mediador que controlará personagens coadjuvantes (chamados de NPCs) e colocará os jogadores em situações atípicas, criadas para dar emoção ao jogo.
Em uma partida de RPG não há vencedores e perdedores. Os jogadores não jogam contra outros jogadores nem contra o mestre da partida. É tudo pela diversão! Mesmo que seu personagem eventualmente morra, ou os desafios propostos pelo mestre sejam facilmente solucionados, o que importa é que no final da partida todos tenham se divertido e uma boa história tenha sido criada coletivamente. Se, após uma partida, TODOS tenham se divertido, o objetivo foi alcançado com sucesso!
O QUE É “CALL OF CTHULHU”?
“Call of Cthulhu” é o famoso RPG da editora Chaosium ambientado no universo mítico criado por H. P. Lovecraft. Lançado em 1981, este célebre jogo já está em sua sexta edição e já recebeu inúmeros prêmios importantes dentro da indústria dos jogos de ficção/horror.
O QUE DIFERENCIA “CALL OF CTHULHU” DOS OUTROS SISTEMAS?
A diferença de “Call of Cthulhu” é o cenário dos jogos. Ao contrário da maioria dos RPG que possuem como cenário, mundos mágicos, fantásticos e medievais, as partidas de “Call of Cthulhu” são ambientadas no universo criado por H. P. Lovecraft. Todos os seres míticos e livros profanos criados pelo escritor (e seus colaboradores) estão detalhados no livro de regras.
Em “Call of Cthulhu” os jogadores não interpretam heróis com superpoderes, nem guerreiros com espadas mágicas. Os jogadores interpretam seres humanos comuns que tiveram o azar de, em algum momento de suas vidas, se deparar com os horrores inconcebíveis criados por Lovecraft.
É aí que está toda a graça e a singularidade deste RPG! Esta diferença de forças entre os jogadores e seus antagonistas tornou “Call of Cthulhu” uma das obras-primas do terror: você não tem como lutar mas também não pode ignorar o que existe a sua volta. Os jogadores devem usar a inteligência e capacidade de investigação para serem bem-sucedidos.
Não bastando tudo isso, os personagens além de se preocupar com suas vidas, têm também, que cuidar de sua saúde mental! Cada personagem possui um "medidor de sanidade" que irá indicar o quão são (ou louco) ele é. Quanto mais se envolver com o desconhecido e o sobrenatural, mais insano ele se torna, podendo muitas vezes adquirir diversas perturbações e fobias durante os jogos.
Além disso, as partidas podem ocorrer tanto nos anos 20 (como nos contos de Lovecraft) como nos anos 1880 ou na época atual. Não interessa quando ou onde, o horror sempre estará à espreita!
O QUE EU PRECISO PARA JOGAR “CALL OF CTHULHU”?
“Call of Cthulhu” é um "RPG de mesa", ou seja, você não precisa de cartas, videogames, computadores ou tabuleiros para jogá-lo. Para jogar uma partida de “Call of Cthulhu” você só precisa de:
- UM LIVRO DE REGRAS (livro do jogador): neste livro estão contidas as regras do sistema, como criar os personagens, aventuras (cenários) prontas, estatísticas das criaturas alienígenas e sobrenaturais, etc. Nem todos que irão jogar precisam ler esse livro, mas é importante que o Mestre da partida conheça as regras nele descritas. É importante ter o livro de regras em mãos durante uma partida para servir como guia de referência, mas ele não é de essencial importância no decorrer da mesma.
- UM MESTRE: alguém que tenha lido o livro de regras ou, pelo menos, a parte que trata das regras do sistema. O mestre é fundamental pois ele criará o cenário, os NPCs e a história que os jogadores vivenciarão. Ele poderá criar o roteiro ou pegar algum pronto (no livro de regras existem 4 cenários prontos). Geralmente o mestre é quem tem o maior trabalho e as maiores responsabilidades mas é aquele que mais sai recompensado após o término de uma partida bem sucedida.
- UM OU MAIS JOGADORES: “Call of Cthulhu” não pode ser jogado sozinho. Deve haver, no mínimo, um mestre e um jogador. Mestrar para apenas um jogador, apesar de possível, não é tão satisfatório, por isso é aconselhável 2 ou mais jogadores. Eu diria que o número ideal de jogadores seria de 3 a 6 - mais que isso pode tornar a partida conturbada e é necessário um mestre experiente para controlar um número tão grande de jogadores.
- DADOS: Para jogar “Call of Cthulhu” são necessários 2 dados de dez faces, 1 dado de 8 faces, 1 dado comum de 6 faces e 1 dado de 4 faces. Esses dados são usados para testes de competência física e mental. Por exemplo, um jogador quer escalar um muro de 3 metros. Ele não vai conseguir fazer tal proeza sem um teste! É necessário saber se seu personagem é apto para fazer a ação e testá-lo. Um personagem tri-atleta terá mais facilidade de escalar o muro que um bibliotecário de 50 anos. Esses tipos de dados podem ser facilmente encontrados em qualquer loja especializada em RPG ou, até mesmo, em boas livrarias.
- PAPEL, LÁPIS E BORRACHA: São necessários para realizar anotações e principalmente para anotar os dados referentes aos personagens dos jogadores. Cada personagem vai ter seus próprios atributos, perícias, conhecimentos, etc, e isso deve ser registrado em papel (denominado ficha de personagem).
EU PRECISO TER LIDO ALGUM CONTO DE LOVECRAFT PARA JOGAR “CALL OF CTHULHU”?
Não e sim. Se você for o mestre é importante ler algum conto de Lovecraft para "entrar no clima" do universo criado por ele. É claro que, quanto mais contos você tiver lido, mais fontes de inspiração terás para criar os cenários. No próprio livro de regras há o conto mais famoso de Lovecraft, "The Call of Cthulhu" e também há dicas de quais contos são os mais importantes e que têm mais relação ao jogo.
HÁ SUPLEMENTOS PARA O JOGO?
Inúmeros. Basta entrar no site da Chaosium (www.chaosium.com) e ver a lista de suplementos. Existem livros com novos cenários, bestiários completos, mapas, hand-outs entre outras coisas. Tudo em inglês, é claro.
NÃO EXISTE UM LIVRO DE REGRAS TRADUZIDO?
Não. Até esta data ainda não existe previsão para a tradução do livro. Quem possui os direitos de tradução do jogo no Brasil é a editora Devir e como “Call of Cthulhu” não é muito difundido em nosso país, eles priorizam outros RPGs (D&D, GURPS, Storyteller, etc). É uma pena, mas é a realidade.
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Texto de Pedro 'Bakunin' Tavares
Do site CTHULHU RISING HOMEPAGE - http://geocities.yahoo.com.br/ktulurising/ -, um dos melhores sites sobre H. P. Lovecraft em português.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2006
H. P. LOVECRAFT

"A emoção mais forte e mais antiga do homem é o medo, e a espécie mais forte e mais antiga de medo é o medo do desconhecido. Poucos psicólogos contestarão esses fatos, e a sua verdade admitida deve firmar para sempre a autenticidade e dignidade das narrações fantásticas de horror como forma literária."
(H. P. Lovecraft, em "O Horror Sobrenatural na Literatura", 1927-1945)
O norte-americano HOWARD PHILLIPS LOVECRAFT (1890-1937) é considerado por muitos – tanto nos círculos acadêmicos quanto por seus milhares de fãs em todo o mundo – como o maior escritor de literatura de horror do século 20. Celebrado pelos seus contos que misturam horror, ficção científica e fantasia, Lovecraft criou uma verdadeira mitologia nova, habitada por terríveis seres não-humanos, dentro do ciclo gótico denominado "Cthulhu Mythos", já comparado, como obra de imaginação e grandiosidade ficcional, ao País das Maravilhas de Lewis Carroll, à Terra de Oz, de Frank Baum, à Terra Média de Tolkien ou à Ciméria de Robert E. Howard.
Nascido em Providence, Rhode Island, EUA, Lovecraft era praticamente um recluso. Viveu na cidade natal a vida inteira, exceto por dois anos em que morou em Nova Iorque e por algumas viagens, que fez já em seus últimos anos de vida. Seu pai morreu cedo, ele passou quase toda a vida com a mãe, casou-se uma única vez, com uma mulher bem mais velha, e após sua separação cinco anos depois morou com duas tias até sua morte.
Lovecraft era um jovem prodígio que recitava poesia aos dois anos e já escrevia seus próprios poemas aos seis. Seu avô encorajou os hábitos de leitura, tendo arranjado para ele versões infantis da "Ilíada" e da "Odisséia" de Homero, e introduzindo-o à literatura de terror, ao apresentar-lhe clássicas histórias de terror gótico. Lovecraft era uma criança constantemente doente. Sofria de poiquilotermia, uma raríssima doença que fazia com que sua pele fosse sempre gelada ao toque. Devido aos seus problemas de saúde, ele freqüentou a escola apenas esporadicamente mas lia bastante. Seu avô morreu em 1904, o que levou a família a um estado de pobreza, em decorrência da incapacidade das filhas de gerenciar os bens deste. Foram obrigados a se mudar para acomodações muito menores e insalubres, o que prejudicou ainda mais a já débil saúde de Lovecraft. Com 18 anos ele sofreu um colapso nervoso, acontecimento que impediu-o de receber seu diploma de graduação no ensino médio e, consequentemente, complicou sua entrada em uma universidade. Esse fracasso pessoal marcaria Lovecraft pelo resto da vida.
Em sua juventude, Lovecraft se dedicou a escrever poesia, mergulhando na ficção de terror apenas a partir de 1917. Aos 33 anos, ele publicou seu primeiro trabalho profissional, "Dagon", na revista "Weird Tales". Sua mãe nunca chegou a ver nenhum trabalho do filho publicado, tendo morrido em 1921, após complicações em uma cirurgia. Lovecraft trabalhou como jornalista por um curto período de tempo, durante o qual conheceu Sonia Greene, com quem viria a casar. Ela era oito anos mais velha que ele, e foram morar no Brooklin, em Nova Iorque, cidade que Lovecraft nunca gostou. O casamento durou poucos anos e, após o divórcio amigável, ele regressou a Providence, onde moraria até morrer.
O período imediatamente após seu divórcio foi o mais prolífico de Lovecraft, no qual ele se correspondia com vários escritores estreantes de horror, ficção e aventura. Entre eles, seu mais ávido correspondente era Robert E. Howard, criador de Conan, o Bárbaro. Algumas das suas mais extensas obras, "Nas Montanhas da Loucura" e "O Caso de Charles Dexter Ward", foram escritas nessa época, durante a qual ele também se dedicou à revisão do trabalho de outros autores. Sua obra foi muito influenciada por escritores como Edgar Allan Poe, Lord Dunsany, Algernon Blackwood e Ambrose Bierce.
Lovecraft escreveu quase 70 contos e novelas, trabalhou como "ghost-writer" para diversos escritores (inclusive o famoso mágico Harry Houdini, no conto "Aprisionado com os Faraós") mas teve muito poucos trabalhos publicados em vida. Seus contos geralmente eram aceitos apenas no círculo das "pulp magazines" americanas, como "Weird Tales" e "Astounding Stories". Além disso escrevia muitas cartas a amigos e admiradores. Sua correspondência chega a 100.000 cartas, publicadas em cinco volumes nos EUA. Escreveu muita coisa em sua adolescência, mas acabou não aproveitando e destruindo vários textos. Em vida teve um número relativamente pequeno de leitores, porém sua obra veio a tornar-se uma forte influência e referência a muitos escritores após sua morte. Entre eles destacam-se Robert Bloch ("Psicose"), Colin Wilson ("Vampiros do Espaço"), Stephen King, Italo Calvino e Jorge Luis Borges.
Apesar dos seus esforços, Lovecraft mergulhou cada vez mais na pobreza, mudando-se para casas cada vez menores e tendo até problemas para conseguir comida. Ele foi profundamente afetado pelo suicídio de Robert E. Howard, em 1936. Nesse mesmo ano, foi-lhe diagnosticado um câncer no intestino, que levaria à sua morte no ano seguinte, aos 46 anos. Lovecraft está enterrado no cemitério Swan Point, em Providence, podendo ser visto na sua sepultura ocasionalmente a seguinte frase, tirada de um dos seus contos mais populares, "O Chamado de Cthulhu": "That is not dead which can eternal lie, and with strange aeons even death may die."
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A verdade é que H. P. Lovecraft sabia muito bem lidar com o medo das pessoas. Diferente de Edgar Allan Poe, que preferia o mórbido, Lovecraft expõe o indizível, quase sempre começando suas histórias com um relator que conta ao leitor da existência de fatos tão grotescos e assustadores que não podem ser revelados, mas que subitamente decide abrir mão do silêncio.
Lovecraft é um mestre na arte da descrição. Sentimos a potência de suas descrições, seja ao falar de cidades do mundo dos sonhos, como a desconhecida Kadath, ou as paredes de Erix, em Vênus. As criaturas místicas ou extraterrestres por ele apresentadas, são sempre frutos de pesadelos, e suas narrativas são tão marcantes, que muitas vezes nos descobrimos devorando seu livro até o fim. Considerações de ordem científica ou mesmo racional devem ser postas de lado nessas horas. O próprio Lovecraft diz, no ensaio "O Horror Sobrenatural na Literatura" que "o mais importante de tudo é a atmosfera, pois o critério final de autenticidade não é o recorte de uma trama, e sim a criação de uma determinada sensação."
Suas constantes referências, em seus textos, a horrores antigos e a monstros e divindades ancestrais acabaram por gerar algo análogo a uma mitologia, hoje conhecida como "Cthulhu Mythos", contendo vários panteões de seres extradimensionais tão poderosos que eram ou podiam ser considerados deuses, e que reinaram sobre a Terra milhões de anos atrás. Entre outras coisas, alguns dos seres teriam sido os responsáveis pela criação da raça humana e teriam uma intervenção direta em toda a história do universo.
A expressão "Cthulhu Mythos" foi criada após a morte de Lovecraft, pelo escritor August Derleth, um dos muitos escritores a basearem suas histórias nos mitos deste. Aliás, na década de 40, Derleth e Donald Wandrei – editores da "Weird Stories", revista em que Lovecraft mais publicou em vida, e fundadores da Editora Arkham House – começaram a republicar em livros de bolso toda a obra de seu mestre. Até hoje, a editora fundada por eles publica antologias baseadas em histórias de Lovecraft, geralmente com um conto dele, e o restante de outros autores.
Em seus contos e novelas Lovecraft criou também outros elementos para dar mais veracidade ao seu universo narrativo, como várias cidades fictícias. A principal delas é Arkham, em Massachussets, cortada pelo rio Miskatonic, sede da Miskatonic University e onde está localizado o famoso Asilo Arkham, respeitável sanatório para doentes mentais (que a Gotham City de Batman pegou emprestado). Dunwich, Innsmouth, Kingsport são outras cidades próximas onde se passam as estranhas ocorrências criadas por Lovecraft. Além disso, ele criou um dos mais famosos e explorados artefatos das histórias de terror, o "Necronomicon", um fictício livro de invocação de demônios escrito pelo também fictício Abdul Alhazred – o árabe louco –, sendo até hoje popular o mito da existência real deste livro, fomentado especialmente pela publicação de vários falsos "Necronomicons" e por um texto, da autoria do próprio Lovecraft, explicando a sua origem e percurso histórico.
O impacto da obra de Lovecraft está na força de suas imagens; imagens que prendem o leitor por completo, expondo um terror que quase nunca depende de sangue e nojo (elementos infelizmente usuais no terror contemporâneo), mas do pavor, dos medos ancestrais do homem, de tudo o que é inexplicável e indizível...
OBRAS
CONTOS QUE FAZEM PARTE DO "CTHULHU MYTHOS":
- A CIDADE SEM NOME (The Nameless City)
- O SABUJO (The Hound)
- O FESTIVAL (The Festival)
- O CHAMADO DE CTHULHU (The Call of Cthulhu)
- O HORROR DE DUNWICH (The Dunwich Horror)
- UM SUSSURRO NAS TREVAS (The Whisperer in Darkness)
- A SOMBRA SOBRE INNSMOUTH (The Shadow Over Innsmouth)
- NAS MONTANHAS DA LOUCURA (At The Mountains of Madness)
- OS SONHOS NA CASA DAS BRUXAS (The Dreams in the Witch-House)
- A COISA NA SOLEIRA DA PORTA (The Thing on the Doorstep)
- SOMBRAS PERDIDAS NO TEMPO (The Shadow Out of Time)
- O ASSOMBRO DAS TREVAS (The Haunter of the Dark)
- HISTÓRIA E CRONOLOGIA DO NECRONOMICON (History and Chronology of the Necronomicon)
- OS FUNGOS DE YUGGOTH (Fungi from Yuggoth)
CONTOS QUE FAZEM PARTE DO "DREAM CYCLE":
- OS GATOS DE ULTHAR (The Cats of Ulthar)
- CELEPHAIS (Celephais)
- A MALDIÇÃO DE SARNATH (The Doom That Came to Sarnath)
- A PROCURA DE KADATH (The Dream-Quest of Unknown Kadath)
- OS OUTROS DEUSES (The Other Gods)
- POLARIS (Polaris)
- A PROCURA DE IRANON (The Quest of Iranon)
- A CHAVE DE PRATA (The Silver Key)
- ATRAVÉS DOS PORTÕES DA CHAVE DE PRATA (Through the Gates of the Silver Key)
- A NAU BRANCA (The White Ship)
OUTROS CONTOS:
- A COR QUE CAIU DO CÉU (The Colour Out Of Space)
- A ESTAMPA DA CASA MALDITA (The Picture In The House)
- VENTO FRIO (Cool Air)
- UM FRÁGIL ANCIÃO (The Terrible Old Man)
- A CASA ABANDONADA (The Shunned House)
- O DEPOIMENTO DE RANDOLPH CARTER (The Statement Of Randolph Carter)
- O MODELO DE PICKMAN (Pickman´S Model)
- HERBERT WEST - REANIMATOR (Herbert West - Reanimator)
- DO ALÉM (From Beyond)
- A MÚSICA DE ERICH ZANN (The Music of Erich Zann)
- DAGON (Dagon)
- AZATHOTH (Azathoth)
- NYARLATHOTEP (Nyarlathotep)
- O CAOS RASTEJANTE (The Crawling Caos)
- A TUMBA (The Tomb)
- OS RATOS NA PAREDE (The Rats in the Walls)
- O HORROR EM RED HOOK (The Horror At Red Hook)
- O CLÉRIGO DIABÓLICO (The Evil Clergyman)
- APRISIONADO COM OS FARAÓS (Under The Pyramids)
- ELE (He)
- A FERA NA CAVERNA (The Beast In The Cave)
- O ALQUIMISTA (The Alchemist)
- POESIA E OS DEUSES (Poetry And The Gods)
- A RUA (The Street)
- A TRANSIÇÃO DE JUAN ROMERO (The Transistion Of Juan Romero)
- O DESCENDENTE (The Descendant)
- O LIVRO (The Book)
- A COISA AO LUAR (The Thing in the Moonlight)
- A ESTRANHA CASA ENTRE AS BRUMAS (The Strange High House In The Mist)
- A ÁRVORE (The Tree)
- ALÉM DA BARREIRA DO SONO (Beyond The Wall Of Sleep)
- MEMÓRIA (Memory)
- O QUE VEM COM A LUA (What The Moon Brings)
- EX OBLIVIONE (Ex Oblivione)
- HYPNOS (Hypnos)
- NAS MURALHAS DE ERYX (In The Walls Of Eryx)
- The Outsider
- In the Vault
NOVELA:
- O CASO DE CHARLES DEXTER WARD (The Case of Charles Dexter Ward)
NÃO FICÇÃO:
- O HORROR SOBRENATURAL NA LITERATURA (Supernatural Horror in Literature)
* * * * * * * * * * * * * *
Fontes de pesquisa:
* Cthulhu Rising Homepage (um dos melhores sites em português sobre HPL e sua obra)
http://geocities.yahoo.com.br/ktulurising/index.html
* H. P. Lovecraft’s Page (em português)
http://freespace.virgin.net/leticia.silva/lovecraf.htm
* The H. P. Lovecraft Archive (talvez o site mais completo sobre HPL, em inglês)
http://www.hplovecraft.com/
* Wikipédia, a enciclopédia livre – H. P. Lovecraft
http://pt.wikipedia.org/wiki/Howard_Phillips_Lovecraft
sexta-feira, 6 de janeiro de 2006
Conto (10): "O DEPOIMENTO DE RANDOLPH CARTER", de H. P. Lovecraft

O Depoimento de Randolph Carter
De Howard Phillips Lovecraft (1890-1937)
Repito-vos, cavalheiros, que vosso interrogatório é inútil. Detende-me aqui para sempre, se quiserdes; prendei-me ou executai-me se tendes necessidade de uma vítima para propiciar a ilusão a que chamais justiça. Não posso porém, dizer mais do que já disse. Contei-vos, com toda a sinceridade, tudo de que me lembro. Nada foi distorcido ou escamoteado, e se alguma coisa permanecer vaga, é apenas devido à nuvem escura que caiu sobre meu espírito - essa nuvem e a natureza nebulosa dos horrores que a fizeram abater-se sobre mim.
Digo mais uma vez: não sei do que foi feito de Harley Warren, embora pense – quase rezo para isso - que ele está em oblívio pacífico, se é que existe, em algum lugar, coisa tão bem aventurada. É verdade que por cinco anos fui seu melhor amigo e que, em parte compartilhei de suas terríveis pesquisas sobre o desconhecido. Não negarei, conquanto minha memória esteja insegura e vaga, que essa vossa testemunha nos possa ter visto juntos, na estrada de Gainsville, caminhando na direção do Pântano do Cipreste Grande às onze e meia daquela noite tenebrosa. Que levávamos lanternas elétricas, pás e um curioso rolo de fio, a que se prendiam certos instrumentos, eu mesmo me disponho a afirmar, pois todas essas coisas desempenharam um papel importante naquela cena hedionda que continua gravada à fogo em minha memória abalada. Mas com relação ao que se seguiu e ao motivo pelo qual fui encontrado sozinho e aturdido na margem do pântano, na manhã seguinte, devo insistir em que nada sei, salvo o que já vos narrei repetidamente. Dizei-me que nada existe no pântano ou em suas proximidades que pudesse constituir o cenário daquele episódio aterrador. Respondo que que eu nada sabia além do que vi. Visão ou pesadelo, pode ter sido - e visão ou pesadelo espero desesperadamente que tenha sido - mas, no entanto, é tudo o quanto minha mente reteu do que ocorreu naquelas horas chocantes depois que saímos da vista dos homens. E por que Harley Warren não voltou, somente ele ou seu espectro - ou alguma coisa inominável que não sei descrever - poderão dizer.
Como já tive ocasião de afirmar, eu conhecia bem, e de certa forma dividia, os estudos fantásticos de Harley Warren. De sua vasta coleção de livros estranhos e raros sobre temas interditos, li todos os escritos nas línguas que domino, contudo esses são poucos em comparação aos escritos em idiomas que desconheço. Na maioria, acredito, são em árabe; e o compêndio de demoníaca inspiração que acarretou a tragédia - o livro que levava no bolso ao abandonar o mundo - estava escrito em caracteres que jamais ví em parte alguma. Warren jamais se dispôs a me dizer o que havia naquele livro. Quanto à natureza de nossos estudos... precisarei repetir ainda uma vez que já não conservo deles plena compreensão? Parece-me até misericordioso que seja assim, pois eram estudos terríveis, que eu levava a cabo mais por relutante fascinação que por inclinação verdadeira. Warren sempre me dominou e às vezes eu o temia. Lembro-me como estremeci ante sua expressão facial na noite anterior ao fato hediondo, enquanto ele falava sem cessar de sua teoria - por que certos cadáveres nunca se decompõem mas permanecem íntegros em suas tumbas por mil anos. No entanto, já não o temo mais, pois suspeito que ele conheceu horrores além do meu alcance. Agora temo por ele.
Mais uma vez repito: não tenho nenhuma lembrança clara de nosso intuito naquela noite. Decerto teria muito a ver com o livro que Warren levava consigo - aquele livro antigo, num alfabeto indecifrável e que lhe chegara da Índia um mês antes - mas juro que não sei o que esperávamos encontrar. Vossa testemunha declara que nos viu às onze e meia na estrada de Gainsville, seguindo na direção do Pântano do Cipreste Grande. É provável que isso seja verdade, mas não me lembro com nitidez. A imagem cauterizada em minha alma é apenas de uma cena, e deve ter sido bem depois da meia noite, pois via-se uma pálida lua crescente no céu vaporoso.
O lugar era um cemitério antigo. Tão antigo que eu me sobressaltava ante os inúmeros indícios de anos imemoriais. Era numa depressão profunda e úmida, coberta de mato alto, musgo e curiosas ervas rasteiras, envolvido por um vago fedor que minha fantasia ociosa associava absurdamente a pedras putrefatas. Por toda a parte havia sinais de abandono e decrepitude e eu parecia perseguido pela idéia de Warren: nós éramos as primeiras criaturas vivas a invadir um silêncio letal de séculos. Sobre a borda do vale, uma lua crescente, lânguida e enlanguesceste, espreitava através dos vapores repulsivos que pareciam emanar de catacumbas ignotas, e seus raios débeis e bruxuleantes faziam-me discernir um aglomerado repelente de lápides, urnas, cenotáfios e mausoléus, todos esboroastes, cobertos de musgo e manchados de umidade, e em parte ocultos pela luxuriância obscena da vegetação insalubre.
A primeira impressão vívida que tenho de minha própria presença nessa necrópole terrível refere-se ao ato de deter-me com Warren diante de um certo sepulcro semi obliterado e de arrojar em seu interior certos fardos que, aparentemente estivéramos carregando. Notei então que trazia comigo uma lanterna elétrica e duas pás, ao passo que meu companheiro portava uma lanterna semelhante e um aparelho telefônico portátil. Não se disse qualquer palavra, pois o local e a missão pareciam-nos conhecidos. E sem delongas tomamos das pás e começamos a afastar as ervas, a grama e a terra da cova rasa e arcaica. Após expormos toda a sua superfície, que consistia em três imensas lages de granito, recuamos alguns passos para examinar o ossuário. Warren parecia estar fazendo alguns cálculos mentais. Depois voltou ao sepulcro e, usando a pá como alavanca, tentou erguer a laje que ficava mais próxima de uma ruína de pedra e que pode ter sido outrora um monumento. Não conseguindo seu intento, fez um gesto para que eu o auxiliasse. Por fim, nossos esforços combinados fizeram com que a pedra se soltasse. Levantamo-la e a arredamos do lugar.
Com a remoção da laje, ficou à vista uma abertura negra, da qual irrompeu um refluxo de gases miasmáticos, tão nauseantes que saltamos para trás, tomados de horror. Após um intervalo, entretanto, aproximamo-nos novamente da cova e achamos as exalações menos intoleráveis. Nossas lanternas revelaram o alto de um lance de degraus, dos quais gotejava um licor repugnante e que eram delimitados por paredes úmidas recobertas de bolor. E agora, pela primeira vez minha memória registra emissão de palavras. Warren falava-me longamente, em sua cálida voz de tenor, uma voz singularmente incólume ao ambiente lúgubre.
"Peço perdão por pedir-te que permaneças na superfície", disse ele, "mas seria criminoso permitir que alguém de nervos tão frágeis descesse até lá. Não podes imaginar, mesmo pelo que leste e pelo que eu te disse, as coisas que terei de ler e de fazer. Trata-se de um trabalho diabólico, Carter , e duvido que algum homem que não tenha a sensibilidade empedernida pudesse ver aquelas coisas e voltar vivo e são. Não é desejo ofender-te e Deus sabe o quanto eu gostaria de levar-te comigo. Mas de certa forma a responsabilidade é minha e eu não seria capaz de arrastar um feixe de nervos como tu à morte ou à loucura quase certa. Digo-te, não podes imaginar o que seja realmente a coisa! Mas prometo manter-te informado de cada passo meu pelo telefone - vês que disponho de fio suficiente para chegar ao centro da terra e voltar!"
Ainda ressoam em minha memória essas palavras, pronunciadas tranqüilamente. E ainda me recordo de meus protestos. Eu parecia desesperadamente ansioso por acompanhar meu amigo para aquelas profundezas sepulcrais, mas ele se mostrava de uma obstinação inflexível. A certo momento, ameaçou abandonar a expedição caso eu insistisse. A ameaça tinha peso, pois só ele possuía a chave do que procurávamos. De tudo isso ainda me lembro, muito embora já não saiba que espécie de coisa buscávamos. Depois de haver obtido minha relutante aquiescência a seu plano, Warren pegou o rolo de fio e ajustou seus instrumentos. A um gesto seu, peguei um destes e sentei-me numa lápide vetusta e descolorida, junto da abertura recém-exposta. Depois ele apertou-me a mão, sobraçou o rolo de fio e desapareceu naquele indescritível ossuário.
Durante um minuto ainda percebi o brilho da lanterna e escutei o roçagar do fio, enquanto Warren o estendia pelo chão; mas o brilho da luz sumiu repentinamente, como se ele houvesse dobrado uma esquina na escada de pedra e quase ao mesmo tempo o som cessou igualmente. Eu estava só, porém ligado às profundezas desconhecidas por aqueles cordéis mágicos cuja superfície isolada verdejava sobre os raios esforçados do exangue quarto-crescente.
A cada momento eu consultava o relógio, à luz da lanterna elétrica e, tomado de ansiedade febril, procurava ouvir alguma coisa no receptor do telefone. Entretanto, durante mais de um quarto de hora nada ouvi. Então o instrumento emitiu um estalido e eu chamei meu amigo com voz tensa. Por apreensivo que me sentisse, eu não estava preparado entretanto para as palavras que subiram daquela cova hedionda, em tons mais alarmados e hesitantes do que eu já havia escutado de Harley Warren. Ele, que se despedira de mim com tamanha calma havia pouco, agora me chamava lá de baixo num sussurro titubeante, mais pressagio que um grito sonoríssimo:
"Meu Deus! Se pudesse ver o que estou vendo!"
Não pude Responder. Mudo, só fiz esperar. Ouvi novamente as palavras agitadas:
Carter, é terrível... monstruoso... inacreditável!"
Dessa vez a voz não me faltou e despejei no aparelho um jorro de indagações excitadas. Aterrorizado, não cessava de repetir: "Warren, o que foi? O que foi?"
Mais uma vez escutei a voz de meu amigo, ainda repassada de medo e agora aparentemente impregnada de desespero:
"Não posso dizer-te, Carter! É demasiado incrível... não ouso contar... nenhum homem poderia saber e sobreviver... Santo Deus! Jamais sonhei com isso!"
Voltou o silêncio, apenas quebrado pela torrente de perguntas sobressaltadas que eu fazia. Ouvi então novamente a voz de Warren, num tom de delirante consternação:
"Carter! Pelo amor de Deus, repõe a Laje no lugar e sai disso se puderes! Deixa tudo mais e corre... é tua última oportunidade! Faz o que eu digo e não peça explicações!"
Eu escutava, mas só conseguia repetir minhas perguntas frenéticas. Em meu redor estavam as tumbas, a escuridão e as sombras; abaixo de mim, algum perigo que sobrepujava o alcançe da imaginação humana. Mas meu amigo corria mais perigo que eu e sobre meu medo passou um vago ressentimento de que ele me julgasse capaz de abandoná-lo em tal situação. Novos estalidos e após uma pausa, ouvi o grito angustiado de Carter:
"Te manda! Pelo amor de Deus, põe a laje no lugar e te manda, Carter!"
Alguma coisa na gíria juvenil de meu companheiro, evidentemente transtornado, liberou minhas faculdades. Formei e gritei uma resolução, "Warren, agüenta! Vou descer!" No entanto, diante dessa proposta o tom de meu interlocutor transformou-se num grito de completo desespero:
"Não! Não compreendes! É tarde demais... e por minha própria culpa. Põe a laje no lugar e corre... não há mais nada que tu ou outra pessoa possa fazer!"
Seu tom de voz mudou novamente, adquirindo dessa vez mais suavidade, como que traduzindo resignação sem esperança. Contudo, para mim ele permanecia tenso de ansiedade.
"Depressa... antes que seja tarde demais!"
Tentei não lhe dar ouvidos. Tentei quebrar a paralisia que me detinha e cumprir minhs promessa de descer para ajudá-lo. Seu próximo murmúrio, todavia, ainda me encontrou inerte, preso de puro horror.
"Carter... corre! Não adianta... tens de ir... antes um que dois... a laje..."
Uma pausa, mais estalidos, e depois a voz débil de Warren:
"Quase acabado agora... não dificultes ainda mais... cobre esses degraus malditos e foge para salvar a vida... estás perdendo tempo... adeus, Carter... não voltarei a ver-te."
Nesse ponto, o murmúrio de Warren converteu-se em grito, um grito que aos poucos se transmudou em uivo, carregado de todo o horror das eras...
"Malditas coisas infernais... legiões... meu Deus! Te manda! Te manda! TE MANDAAAAA!!!"
Depois disso, caiu o silêncio. Ignoro por quantos éons permaneci sentado ali, estupefato. Sussurrando, murmurando, gritando, berrando naquele telefone. Vezes sem conta, no transcurso daqueles éons, sussurrei, murmurei, chamei, gritei e berrei "Warrren! Warren; Responde... estás aí?
Foi então que sobreveio o cúmulo do horror... a coisa inacreditável, inimaginável, quase impronunciável. Já disse que foi como se passassem éons depois de Warren emitir sua derradeira advertência desesperada, e que apenas meus gritos quebravam agora o silêncio horrífico. Contudo depois de algum tempo houve um novo estalido no telefone e eu apurei os ouvidos. Mais uma vez chamei: "Warren estás aí?, e como resposta ouvi aquilo que lançou essa nuvem sobre minha alma. Não tento, senhores, explicar aquilo... aquela voz... nem posso abalançar-me a descrevê-la em minúcia, uma vez que as palavras iniciais roubaram minha consciência e criaram um vazio mental que se estende ao momento em que despertei no Hospital. Direi que a voz era profunda? Cava? Gelatinosa? Remota? Sobrenatural? Inumana? Desencarnada? Que direi? Ela marcou o fim de minha experiência e é o fim de minha história. Eu a escutei, e de nada mais tomei conhecimento... escutei-a enquanto permanecia sentado, petrificado naquele cemitério desconhecido do vale, em meio às pedras carcomidas e aos túmulos em ruínas, junto à vegetação pútrida e aos vapores miasmáticos... escutei-a subindo das profundezas mais absconsas daquele maldito sepulcro aberto, enquanto assistia à dança de sombras amorfas, necrófagas, à luz mortiça de uma lua exangue.
E o que ela disse foi:
"IDIOTA, WARREN ESTÁ MORTO.....!"
DIÁRIOS DE ARKHAM (2)

Diários de Arkham (2)
MY KIND OF TOWN
depoimento de Hannibal Lecter
Querida Clarice,
Cheguei em Arkham há pouco mais de um mês e já tenho muitas coisas a te contar. Cheguei de trem, procurando trabalho, me hospedei no Miskatonic Hotel, mas disposto a fixar residência nesta aprazível cidadezinha de Massachussets, e logo me envolvi em um estranho caso de `serial killer`. Aparentemente um jovem estudante da Miskatonic University matou outro, enlouqueceu e estava eliminando sistematicamente arkhamitas idosos, que aparentemente nada tinham a ver com ele.
Meu anfitrião, o doutor e professor Duck, do Instituto Sheckley de Pesquisas, me apresentou a um eminente parapsicólogo, o Dr. Albert Abraham Poe, estudioso de ocultismo e a um pintor que não recordo o nome. Juntos, auxiliamos a polícia no caso e descobrimos o verdadeiro culpado, Sermon Bishop, um feiticeiro que morreu no século 17 e que encarnou no corpo do estudante, cometendo os crimes.
Os conhecimentos de ocultismo do doutor Poe não foram páreo para as magias de Bishop, mas nós o seguimos até um subterrâneo de Arkham e o encurralamos. Bem, na verdade ele invocou uma criatura gigantesca e medonha para nos deter - um tal de shoggoth - mas nosso amigo parapsicólogo também tinha seus contatos em outras dimensões e conseguimos anular a ameaça com dezenas de nightgaunts - criaturas demoníacas que pareciam ter saído de uma pintura de Bosch ou de William Blake. Felizmente estavam do nosso lado. Infelizmente o pobre pintor foi alvo de uma magia do feiticeiro e vomitou larvas negras até morrer com as vísceras estouradas. Eu peguei Bishop de surpresa e o degolei e o esquartejei com meu bisturi. O miserável era imortal, mas após meu `tratamento` creio que será difícil ele se recompor. A não ser que conte com a ajuda de um diminuto pesadelo ambulante, o Quachil Uttaus, outra criatura dos infernos que recolheu seus despojos após minha costumeira carnificina. O que importa é que eu e o doutor Poe escapamos inteiros dali.
Um mês já se passou e hoje estou atendendo no meu consultório psiquiátrico no Instituto Sheckley, tratando de um paciente no Arkham Asylum e ainda sou consultor gastronômico no restaurante mais sofisticado de Arkham. Não posso reclamar da vida.
Além disso voltei às investigações, após ser contratado por um rico investidor daqui para encontrar o bebê desaparecido de um rico industrial de Boston, mr. Anderson, seqüestrado ontem pela manhã quando passeava com a babá. Aparentemente foi um crime político, pois Anderson pretendia abrir uma indústria em Arkham e existem muitos opositores a essa empreitada. O doutor Poe está comigo nesse caso e contamos com a ajuda de um oficial militar reformado que chegou de Nova Iorque, o major John Williams, um tipo de mercenário, amigo de mr. Anderson. Hoje achamos o corpo da babá, estrangulada no meio do mato, porém já temos algumas pistas. Vamos ver o que os dias e as investigações nos trarão. É curioso trabalhar como investigador, algo que nunca imaginei fazer antes. Mas assim vou conhecendo melhor a cidade, seus habitantes e me familiarizando com o modo de vida de Arkham.
Bem, vou ficando por aqui, minha querida Clarice. Quando tiver mais novidades te escrevo.
Ta-ta
H.
(diários de Arkham, 1924)
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FOTO: Mapa de Arkham, Massachussets. E de cima para baixo, o Major John Williams, o parapsicólogo Dr. Albert Poe e eu, Dr. Hannibal Lecter, psiquiatra.
DIÁRIOS DE ARKHAM (1)

Diários de Arkham (1)
QUE NOITE TERRÍVEL!!!
depoimento de Henry Jones Jr.
Eu, estudante de pós-graduação da Miskatonic University, me juntei a um professor baixinho de lá e a um médico sei-lá-o-que e passamos os últimos três dias investigando a morte suspeitíssima de Frank Charlton, um estudante da universidade, que aparentemente despencou de uma janela da biblioteca, que estava toda trancada. O corpo foi achado embaixo de uma janela, sem gota de sangue e com uma marca de agulha no braço. A noiva dele foi internada em estado de choque, balbuciando palavras estranhas e sem sentido, e seu colega de quarto, um jogador de football, foi preso como suspeito. Mas nós três sabíamos que o responsável era outra pessoa.
Pedimos ajuda ao chefe da biblioteca, o professor Armitage, investigamos nos livros, em jornais antigos, no necrotério, no hospital, em pubs, no refeitório e no dormitório da universidade, no centro de registros de Arkham e chegamos a um nome suspeitíssimo. Claude Owen - um estudante que fazia experiências de revitalização de animais mortos, baseado nos estudos nada acadêmicos do célebre e maldito Herbert West (mais conhecido como "O Reanimador") - tinha motivos de sobra para ter acabado com a vida de Charlton. A vítima vivia humilhando Owen publicamente, e este foi visto na cena do crime rindo secretamente do destino do colega morto. Invadi o quarto dele e achei provas de sobra para incriminá-lo, inclusive um pobre cachorro que não deveria estar vivo mas estava.
Pois bem, ontem, por volta das quatro horas da tarde, fomos parar na fazenda Chapman, nos arredores de Arkham, aparente reduto do insano Claude Owen. Quando de propriedade de Herbert West, a casa principal tinha sofrido um incêndio que abalou seriamente suas estruturas. À primeira vista, ninguém habitava aquele lugar. Mas depois de desabar no porão junto com meu colega médico, descobrimos quatro covas fechadas e uma aberta, além de uma pesada porta de onde vinha um facho de luz e o ruído de um gerador. Já que a escada veio abaixo com a nossa queda, e pressentindo um perigo terrível por trás daquela porta, tratamos de sair daquele buraco rapidamente. Usando meu chicote saltamos de volta para a superfície com facilidade.
Botamos fogo na casa, sobre o teto da tal sala iluminada, mas foi em vão. O cômodo parecia um bunker fortificado. Nós três ficamos de tocaia, até que algo muito assustador pulou do porão e se enroscou no pescoço do professor baixinho. Era algo inominável, que não fazia parte do mundo natural! Só sei que a visão me fez surtar, fiquei catatônico e acordei no hospital de Arkham no dia seguinte. Soube apenas que a polícia vasculhou a casa pela manhã, que nosso amigo médico desaparecera (supostamente morto) e que foram descobertos vários cadáveres carbonizados no porão. E o registro do legista afirmava categoricamente que eles estavam mortos há dias, mesmo parecendo que tinham caminhado na noite anterior!
Mas todos nós sabemos que essas coisas não existem, não é mesmo?
Ou será que existem?...
(diários de Arkham, 1924)
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FOTO: Chapman Farmhouse, nos arredores de Arkham, Massachussets.