O PROCESSO (1) - SÉANCE

Numa sessão espírita - ou séance, como chamam os franceses e os norte-americanos - várias pessoas se reúnem com um médium para tentar contato com algum ente querido que já desencarnou. Para alguns escritores e roteiristas o processo de criação é muito parecido, só que no caso o autor serve de médium e psicógrafo das entidades. E tais espíritos não são de pessoas mortas e sim de criaturas fictícias que estão tentando vir a este plano.

Deixando as crenças, doutrinas, religiões e a fé de lado, é mais ou menos assim que eu crio minhas histórias. Ou elas vêm a mim ou os personagens se apresentam e me contam as suas vidas, suas intenções, seus desejos e destinos. E gradativamente vão se mostrando quem são. Como eles são seres da ficção, é claro que meu consciente (tanto quanto meu inconsciente) vão enxertando neles características minhas, de amigos, conhecidos, parentes, ídolos, figuras históricas ou personagens favoritos. E dessa forma, nas últimas semanas tenho "convivido" com três pessoas muito especiais que vêm se intrometendo na minha vida. São dois homens e uma mulher. Hoje descobri por acaso que existe mais uma mulher nessa história. Que, diga-se de passagem, e apesar de aparentar dois casais, está muito longe de ser uma história de amor.

Meus novos "amigos" são um médico colecionador de arte com uma peculiaridade sobrenatural e inexplicável, um taxidermista muito metódico, de humor variável e doentio e apreciador de facas e outras lâminas, e uma charmosa senhora muito rica e dona de uma beleza apenas comparável aos mistérios que esconde. Como a quarta personagem - a segunda mulher - só se mostrou hoje, pouco sei sobre ela. Além do que o mais saboroso desse convívio é descobri-los aos poucos, conforme a vontade que eles sentem em me contar suas histórias.

Ainda não sei se esse processo tornar-se-á um romance, um conto, um roteiro ou apenas uma história sem pé-nem-cabeça cujo destino será repousar no limbo... mas posso dizer que já está sendo um grande prazer conviver com estas quatro misteriosas entidades.

Vamos ver no que isso vai dar.

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Ilustração: Pintura de René Magritte