Fredric Brown (1906-1972) nasceu em Cincinnati e escreveu cerca de trezentos contos e vinte e nove romances, a maioria nos gêneros de mistério e ficção científica. Seu conto "Arena" serviu de base para o episódio da série televisiva clássica "Jornada nas Estrelas" de mesmo nome. O conto típico de Fredric Brown tem duas características principais: é curto, e aplica no leitor uma surra brutal."O Aniversário da Vovó" ("Granny’s Birthday", 1960) talvez seja um de seus contos mais breves; mas é indubitavelmente um dos mais devastadores.
Já publiquei aqui na VALISE DE CRONÓPIO o conto mais famoso desse fantástico escritor, "Resposta". Clique para ler essa pequena obra-prima. http://ozlopesjr.multiply.com/journal/item/43
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Os Halperins eram uma família muito unida. Wade Smith, um dos únicos presentes que não pertencia à família, invejava-os por isso, de vez que ele próprio não tinha família – mas a inveja temperava-se com uma doçura cálida, por obra do copo na mão dele.
Era a festa de aniversário da Vovó Halperin, a festa dos oitenta anos dela; todos os presentes, exceto Smith e outro convidado, eram Halperins ou levavam o nome Halperin. Vovó tinha três irmãos e uma irmã. Todos estavam lá; os três homens eram casados e tinham levado as esposas. Com isto, havia oito Halperins, incluindo Vovó. Havia ainda quatro membros da segunda geração, netos, um deles com a respectiva esposa, elevando para treze o número de Halperins. Smith contou: treze Halperins. Com ele próprio e o outro não-Halperin, um homem chamado Cross, eram quinze adultos presentes. E estiveram também presentes, mais cedo, outros três Halperins, bisnetos, mas foram levados para dormir logo no começo da noite, em horas correspondentes à idade de cada um.
E ele gostava deles todos, pensou Smith, com candura, embora, depois que as crianças foram retiradas, o álcool estivesse fluindo com abundância e a festa se tornasse um tanto barulhenta demais, para seu gosto. Todos bebiam; mesmo Vovó, sentada em uma cadeira que mais parecia um trono, tinha à mão um cálice de xerez, o terceiro da noite.
Era uma velhinha maravilhosamente doce e viva, pensou Smith. Realmente uma matriarca; como era doce! admirou Smith. Dirigia a família com uma vara de ferro em luva de veludo – ele já estava suficientemente embriagado para confundir as metáforas.
Smith estava lá a convite de Bill Halperin, um dos filçhos de Vovó; era procurador e amigo de Bill. O outro forasteiro, um certo Gene ou Jean Cross, parecia ser amigo de vários netos de Vovó.
No outro lado da sala, ele via Cross em conversa com Hank Halperin e percebeu que alguma coisa dita entre eles levara subitamente a uma discussão irada e gritada. Smith esperou que o assunto não trouxesse complicações; a festa estava agradável demais para ser interrompida por uma briga, ou mesmo altercação.
De repente,porém, Hank Halperin deu um soco no queixo de Cross e este caiu de costas. A cabeça dele bateu na quina da lareira; ouviu-se um baque surdo e ele ficou prostrado no chão. Hank correu até ele, ajoelhou-se e apalpou-o. Quando olhou em volta estava pálido, e logo levantava-se.
– Está morto – disse, desalentado. – Por Deus, eu não quis matá-lo! Mas ele disse...
Vovó já não sorria mais. A voz dela saiu resoluta, conquanto lastimosa:
– Ele tentou bater em você primeiro, Henry. Eu vi. Todos vimos isto, não foi?
Com a última frase, ela voltara-se para Smith, o forasteiro sobrevivente. Smith mexeu-se, contrafeito.
– Eu... eu não vi como a coisa começou, Sra. Halperin.
– Viu sim – interrompeu ela. – O senhor estava olhando bem na direção deles, Sr. Smith.
Antes que Wade Smith pudesse responder, Hank Halperin estava dizendo:
– Vovó, eu sinto muito, mas mesmo isto não resolve o assunto. Estamos numa dificuldade realmente grande. Lembre-se de que eu lutei durante sete anos como boxeador profissional. E os punhos de um boxeador, ou ex-boxeador, são considerados armas letais, do ponto de vista legal. Isto transforma a coisa em assassinato em segundo grau, mesmo se ele tivesse dado o primeiro soco. O senhor sabe disso, já que é advogado. E com os outros problemas que já tive, a polícia vai pegar minha ficha e jogar em cima de mim.
– Infelizmente acho que o senhor está certo – disse Smith, hesitante. – Mas não seria melhor que alguém chamasse um médico, ou a polícia, ou ambos?
– Num instante, Smith – disse Bill Halperin, o amigo de Smith. – Mas primeiro temos que acertar a coisa entre nós. Foi legítima defesa, não foi?
– Eu... Eu acho... Eu não sei o que...
– Esperem, ouçam todos – disse Vovó, com a voz dura e afiada. – Mesmo se foi legítima defesa, Henry estará em dificuldade. E vocês acham que podemos confiar nesse Smith quando ele estiver fora daqui, num tribunal?
Bill Halperin disse:
– Mas Vovó, temos que...
– Deixe de bobagem, William. Eu vi o que aconteceu. Todos vimos. Eles brigaram, Cross e Smith, e um matou o outro. Cross matou Smith e depois, tonto com os golpes que ele próprio recebera, caiu e bateu com a cabeça na pedra. Não vamos deixar que Henry vá para a cadeia, não é mesmo, meus filhos? Não um Halperin, não um de nós. Henry, machuque um pouco esse cadáver, para que ele pareça ter saído de uma briga, e não de um simples soco. E vocês outros...
Os Halperins machos, com exceção de Henry, fecharam um círculo em torno de Smith; as mulheres, com exceção de Vovó, vinham logo atrás. E o círculo estreitou-se.
A última coisa que Smith viu claramente foi Vovó em sua cadeira mais parecida com um trono, os olhos brilhantes de excitação e determinação. E a última coisa que Smith ouviu, no silêncio subitamente formado na sala, foi o som leve do risinho de Vovó. Depois veio o primeiro soco.