domingo, 17 de agosto de 2008

Conto (12): "O ANIVERSÁRIO DA VOVÓ", de Fredric Brown

Fredric Brown (1906-1972) nasceu em Cincinnati e escreveu cerca de trezentos contos e vinte e nove romances, a maioria nos gêneros de mistério e ficção científica. Seu conto "Arena" serviu de base para o episódio da série televisiva clássica "Jornada nas Estrelas" de mesmo nome. O conto típico de Fredric Brown tem duas características principais: é curto, e aplica no leitor uma surra brutal."O Aniversário da Vovó" ("Granny’s Birthday", 1960) talvez seja um de seus contos mais breves; mas é indubitavelmente um dos mais devastadores.

Já publiquei aqui na VALISE DE CRONÓPIO o conto mais famoso desse fantástico escritor, "Resposta". Clique para ler essa pequena obra-prima. http://ozlopesjr.multiply.com/journal/item/43

* * * * * * * * * *

Os Halperins eram uma família muito unida. Wade Smith, um dos únicos presentes que não pertencia à família, invejava-os por isso, de vez que ele próprio não tinha família – mas a inveja temperava-se com uma doçura cálida, por obra do copo na mão dele.

Era a festa de aniversário da Vovó Halperin, a festa dos oitenta anos dela; todos os presentes, exceto Smith e outro convidado, eram Halperins ou levavam o nome Halperin. Vovó tinha três irmãos e uma irmã. Todos estavam lá; os três homens eram casados e tinham levado as esposas. Com isto, havia oito Halperins, incluindo Vovó. Havia ainda quatro membros da segunda geração, netos, um deles com a respectiva esposa, elevando para treze o número de Halperins. Smith contou: treze Halperins. Com ele próprio e o outro não-Halperin, um homem chamado Cross, eram quinze adultos presentes. E estiveram também presentes, mais cedo, outros três Halperins, bisnetos, mas foram levados para dormir logo no começo da noite, em horas correspondentes à idade de cada um.

E ele gostava deles todos, pensou Smith, com candura, embora, depois que as crianças foram retiradas, o álcool estivesse fluindo com abundância e a festa se tornasse um tanto barulhenta demais, para seu gosto. Todos bebiam; mesmo Vovó, sentada em uma cadeira que mais parecia um trono, tinha à mão um cálice de xerez, o terceiro da noite.

Era uma velhinha maravilhosamente doce e viva, pensou Smith. Realmente uma matriarca; como era doce! admirou Smith. Dirigia a família com uma vara de ferro em luva de veludo – ele já estava suficientemente embriagado para confundir as metáforas.

Smith estava lá a convite de Bill Halperin, um dos filçhos de Vovó; era procurador e amigo de Bill. O outro forasteiro, um certo Gene ou Jean Cross, parecia ser amigo de vários netos de Vovó.

No outro lado da sala, ele via Cross em conversa com Hank Halperin e percebeu que alguma coisa dita entre eles levara subitamente a uma discussão irada e gritada. Smith esperou que o assunto não trouxesse complicações; a festa estava agradável demais para ser interrompida por uma briga, ou mesmo altercação.

De repente,porém, Hank Halperin deu um soco no queixo de Cross e este caiu de costas. A cabeça dele bateu na quina da lareira; ouviu-se um baque surdo e ele ficou prostrado no chão. Hank correu até ele, ajoelhou-se e apalpou-o. Quando olhou em volta estava pálido, e logo levantava-se.

– Está morto – disse, desalentado. – Por Deus, eu não quis matá-lo! Mas ele disse...

Vovó já não sorria mais. A voz dela saiu resoluta, conquanto lastimosa:

– Ele tentou bater em você primeiro, Henry. Eu vi. Todos vimos isto, não foi?

Com a última frase, ela voltara-se para Smith, o forasteiro sobrevivente. Smith mexeu-se, contrafeito.

– Eu... eu não vi como a coisa começou, Sra. Halperin.

– Viu sim – interrompeu ela. – O senhor estava olhando bem na direção deles, Sr. Smith.

Antes que Wade Smith pudesse responder, Hank Halperin estava dizendo:

– Vovó, eu sinto muito, mas mesmo isto não resolve o assunto. Estamos numa dificuldade realmente grande. Lembre-se de que eu lutei durante sete anos como boxeador profissional. E os punhos de um boxeador, ou ex-boxeador, são considerados armas letais, do ponto de vista legal. Isto transforma a coisa em assassinato em segundo grau, mesmo se ele tivesse dado o primeiro soco. O senhor sabe disso, já que é advogado. E com os outros problemas que já tive, a polícia vai pegar minha ficha e jogar em cima de mim.

– Infelizmente acho que o senhor está certo – disse Smith, hesitante. – Mas não seria melhor que alguém chamasse um médico, ou a polícia, ou ambos?

– Num instante, Smith – disse Bill Halperin, o amigo de Smith. – Mas primeiro temos que acertar a coisa entre nós. Foi legítima defesa, não foi?

– Eu... Eu acho... Eu não sei o que...

– Esperem, ouçam todos – disse Vovó, com a voz dura e afiada. – Mesmo se foi legítima defesa, Henry estará em dificuldade. E vocês acham que podemos confiar nesse Smith quando ele estiver fora daqui, num tribunal?

Bill Halperin disse:

– Mas Vovó, temos que...

– Deixe de bobagem, William. Eu vi o que aconteceu. Todos vimos. Eles brigaram, Cross e Smith, e um matou o outro. Cross matou Smith e depois, tonto com os golpes que ele próprio recebera, caiu e bateu com a cabeça na pedra. Não vamos deixar que Henry vá para a cadeia, não é mesmo, meus filhos? Não um Halperin, não um de nós. Henry, machuque um pouco esse cadáver, para que ele pareça ter saído de uma briga, e não de um simples soco. E vocês outros...

Os Halperins machos, com exceção de Henry, fecharam um círculo em torno de Smith; as mulheres, com exceção de Vovó, vinham logo atrás. E o círculo estreitou-se.

A última coisa que Smith viu claramente foi Vovó em sua cadeira mais parecida com um trono, os olhos brilhantes de excitação e determinação. E a última coisa que Smith ouviu, no silêncio subitamente formado na sala, foi o som leve do risinho de Vovó. Depois veio o primeiro soco.

 

17 comentários:

  1. Prática, de pensamento rápido. Queria ter uma avó dessas. Mas tô mais pro Smith, sem família.

    Beijos!

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  2. Mas tô mais pro Smith, sem família.

    então , nada de ir a grandes festas de familia hahha

    bijo

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  3. "Resposta" é mais curto mas tão devastador quanto...hehehehe!

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  4. Sensacional, né, Guilherme?

    O Fredric Brown é literalmente um soco literário no estômago!

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  5. Na minha opinião "Resposta" é perfeito, exemplar!

    Queria conhecer mais contos dele, só conheço esses dois. Mas onde achar?

    Abs

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  6. Eita que essa vovó é danada!!!

    Bom demais o conto, Oz!!!
    A gente lê e "vê" a cena!
    Excelente!

    Beijos!

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  7. O Fredric Brown é porreta, Renata! Na verdade o que ele escreve é porrada mesmo! Hehehe!

    Saudades de ti, menina!

    Beijão!

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  8. Saiu hoje a revista? É a revista de economia? EU QUERO ISSO!!!

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  9. Saiu ontem, mas te dou a revista. É de economia sim. Matéria sobre colecionadores!

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  10. PRECISO CONSEGUIR ESSA REVISTA!!!!!!!! As porcarias das jornalistas ficaram de me avisar com antecedência mas obviamente me ignoraram. Você pode vir aqui em casa no fim de semana? Aproveita e vê a Cantina de Mos Eisley, o Palácio do Jabba e meus outros dioramas!!!

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  11. Posso sim.
    Me manda o endereço e te levo a revista. Pode ser hoje por volta das 16hs?

    Abs!

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  12. Pois é... porrada mesmo! rsrssrs!

    Também tô com saudade, Oz...
    De você e do resto da galera, que desde o aniversário da Mari, que foi em fevereiro, não vejo!
    ...com exceção do Edu (que vira e mexe vem por essas bandas, e a Dani, que mora por aqui.

    Com essa lei seca, a galera não tem animado de sair...
    Eu, como estou morando depois do fim do mundo (sim, porque na minha adolescência, lembro de dizer que o Barra Sul era o fim do mundo... e eu moro depois dele), quase não tenho saído também.

    Nem vou dizer que a gente pode marcar algo por agora porque estou definitivamente falida e preciso me recuperar economicamente... mas estou sempre por aqui. O dia que quiser aparecer, pode vir!

    Beijo enorme, meu amigo!
    Te gosto muito!

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  13. Um dos melhores contos que já li. Simples e...terrível.

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