sábado, 14 de fevereiro de 2009

CINEMA DE PAPEL (parte 2) - NA TERRA DOS SONHOS

CINEMA DE PAPEL (Parte 2) – NA TERRA DOS SONHOS

Oswaldo Lopes Jr.

(Matéria escrita para a revista VEREDAS # 28 do Centro Cultural Banco do Brasil em abril de 1998, e republicada aqui na VALISE DE CRONÓPIO em oito partes)

A primeira vez que as artes irmãs – cinema e quadrinhos – brincaram juntas foi na primeira década do século 20, com o desenho animado Little Nemo, de Winsor McCay. Além de ser um dos grandes pioneiros do cinema de animação, McCay era ilustrador, chargista e se tornou um dos nomes mais importantes das histórias em quadrinhos. Em 1903, quando trabalhava no jornal New York Herald, criou Little Nemo in Slumberland, uma das mais ousadas e brilhantes HQs de que se tem notícia até hoje. As aventuras fantásticas de um garoto no país dos sonhos surpreendeu a todos por seu belíssimo tratamento plástico conjugado a um texto onírico. Vertigem, queda, fuga, sufocação, gigantismo e outras loucuras faziam parte das "viagens" do menino.

McCay também usou todas as imagens e símbolos que pudessem preencher o imaginário de qualquer criança da época: paradas de circo, dragões, sereias, Papai Noel, seres mitológicos, personagens de fábulas, reinos distantes, viagens de balão. Tudo isso em painéis coloridos, em estilo art nouveau, construídos como um conjunto integrado e não como simples quadrinhos que se sucedem. Feitas com a mais rigorosa perspectiva, ricas em detalhes e com angulações inusitadas para o olhar daquela época, as pranchas de Little Nemo in Slumberland surpreendem por apontar já para uma linguagem cinematográfica, tornando natural uma relação entre cinema e histórias em quadrinhos.

De olho nessa relação e armado de seu prestígio, Winsor McCay se aventurou pelos caminhos desconhecidos do desenho animado. Gastou muito tempo, dinheiro e paciência em busca do timing apropriado para dar veracidade aos movimentos, e teve que fazer mais de quatro mil desenhos para cada filme. Mesmo sem experiência, conseguiu realizar nove deles em onze anos (sendo o mais famoso Gertie, the Trained Dinosaur, em que a ação filmada se misturava com desenho animado – o próprio autor adestrando e dando uma maçã à graciosa dinossaurinha) e se orgulhava muito de seu pioneirismo.

Porém, por mais dedicado que McCay fosse ao cinema, nenhum de seus filmes se equipara em termos de qualidade às suas histórias em quadrinhos. É interessante observar que, enquanto a arte cinematográfica veio se aprimorando técnica e plasticamente ao longo do século (com o advento da cor, do som, largura da tela, equipamentos), os quadrinhos alcançaram sua plenitude logo nos primeiros anos. Quanto à narrativa, as duas artes moldaram seus fundamentos e sua gramática básica bem cedo. Os códigos usados hoje pelo cinema são os mesmos forjados por Griffith e Eisenstein no início do século 20, por exemplo. Contudo, quanto à estética, a arte dos quadrinhos certamente foi mais precoce que sua irmã de celulóide. Little Nemo in the Slumberland é uma grande prova disso.

A SEGUIR... TRADUÇÃO, MONTAGEM E BOM SENSO.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

CINEMA DE PAPEL (parte 1)

CINEMA DE PAPEL (parte 1)

de Oswaldo Lopes Jr.

(Matéria escrita para a revista VEREDAS # 28 do Centro Cultural Banco do Brasil em abril de 1998, e republicada aqui na VALISE DE CRONÓPIO em oito partes, a partir de hoje)

Formas de arte irmãs, filmes e histórias em quadrinhos evoluíram junto e vêm trocando entre si influências, histórias e personagens desde que nasceram.

Que os produtores de Hollywood têm lido muitos gibis ultimamente não é novidade para ninguém. Mas, de repente, o consumidor atento começa a reparar que as prateleiras da sua videolocadora e as da banca de jornais da esquina têm oferecido uma quantidade inimaginável de títulos em comum. Só que, ao contrário do que pensam alguns, não se trata de um modismo recente. O cinema e as histórias em quadrinhos são artes irmãs. Mais até: são gêmeas, e desde que nasceram se dão muito bem, obrigado.

Gêmeas?! Sem dúvida – inclusive no sentido estrito de terem a mesma idade. Muito antes das superproduções George Lucas e James Cameron ou das graphic novels de Frank Miller, mais precisamente em 1895, enquanto na França um grupo de convidados atônitos assistia às primeiras imagens em movimento feitas pelos irmãos Lumière, na América um menino de camisolão amarelo começava as suas estripulias no suplemento dominical do jornal New York World. Desde então, com o filme A Saída dos Operários da Fábrica Lumière e a tira Yellow Kid, de Richard Outcault, o mundo começou a mudar sua imagem.

Muito mais do que simples coincidência, o surgimento sincrônico dessas duas formas de expressão é uma conseqüência natural daquele momento histórico. O mundo ocidental estava em pleno auge da segunda Revolução Industrial, quando se buscavam meios de produção mais ágeis e sofisticados, capazes de gerar maior lucro e facilitar a dominação econômica sobre países menos desenvolvidos. A vida cultural e artística da época caminhava fatalmente para a elaboração de uma imagem em movimento.

As pesquisas fotográficas de Pierre Janssen, Etienne-Jules Marey e Eadweard Muybridge somaram-se à Tese da Persistência Retiniana, descoberta pelo Dr. Peter Mark Roget em 1824. Segundo ela, para o olho humano uma seqüência de 24 imagens estáticas mostradas em um segundo é capaz de simular movimento. Tudo isso, somado às diversas invenções de Thomas Alva Edison no campo do som e da imagem, convergiu para a criação do cinema.

Já a gestação das histórias em quadrinhos começou bem antes. Desde a Era Paleolítica que o homem já se preocupava em registrar o seu cotidiano em forma de desenhos rudimentares nas paredes das cavernas. Esse hábito se estendeu pelo tempo e veio se aprimorando através da História. Os hieróglifos e os baixos-relevos egípcios, a secular representação da Via Sacra pela Igreja Católica, os trípticos de Bosch e Brüghel, as gravuras seriadas de Francisco Goya e Gustave Doré, os cartazes de shows itinerantes contando histórias em grandes quadros, os pôsteres de crimes famosos vendidos nas feiras, as caricaturas e as charges políticas foram os pré-requisitos históricos que propiciaram a efervescência criativa mundial em torno de uma linguagem de imagens seqüenciais mais sofisticada na segunda metade do século 19.

O americano Yellow Kid é celebrado como o pioneiro das histórias em quadrinhos – mas a história não é bem assim. Richard Outcault foi o primeiro a usar o conceito de balão, escrevendo seus diálogos no camisolão amarelo do personagem-título. Mas as histórias contadas em desenhos seqüenciais já existiam há pelo menos três décadas antes. Em 1865, o alemão Wilhelm Busch criou Max & Moritz, uma historieta seriada contando as aventuras de dois garotos endiabrados (inspiração primeira de todos os pestinhas de papel e tinta, dos Sobrinhos do Capitão de Rudolph Dirks a Calvin e Haroldo de Bill Watterson). Cinco anos depois, o Brasil entrava no ranking, com a publicação semanal de As Aventuras de Nhô Quim, do italiano naturalizado brasileiro Angelo Agostini, na revista Vida Fluminense.

A SEGUIR... NA TERRA DOS SONHOS.

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