CINEMA DE PAPEL (Parte 2) – NA TERRA DOS SONHOS
Oswaldo Lopes Jr.
(Matéria escrita para a revista VEREDAS # 28 do Centro Cultural Banco do Brasil em abril de 1998, e republicada aqui na VALISE DE CRONÓPIO em oito partes)
A primeira vez que as artes irmãs – cinema e quadrinhos – brincaram juntas foi na primeira década do século 20, com o desenho animado Little Nemo, de Winsor McCay. Além de ser um dos grandes pioneiros do cinema de animação, McCay era ilustrador, chargista e se tornou um dos nomes mais importantes das histórias em quadrinhos. Em 1903, quando trabalhava no jornal New York Herald, criou Little Nemo in Slumberland, uma das mais ousadas e brilhantes HQs de que se tem notícia até hoje. As aventuras fantásticas de um garoto no país dos sonhos surpreendeu a todos por seu belíssimo tratamento plástico conjugado a um texto onírico. Vertigem, queda, fuga, sufocação, gigantismo e outras loucuras faziam parte das "viagens" do menino.
McCay também usou todas as imagens e símbolos que pudessem preencher o imaginário de qualquer criança da época: paradas de circo, dragões, sereias, Papai Noel, seres mitológicos, personagens de fábulas, reinos distantes, viagens de balão. Tudo isso em painéis coloridos, em estilo art nouveau, construídos como um conjunto integrado e não como simples quadrinhos que se sucedem. Feitas com a mais rigorosa perspectiva, ricas em detalhes e com angulações inusitadas para o olhar daquela época, as pranchas de Little Nemo in Slumberland surpreendem por apontar já para uma linguagem cinematográfica, tornando natural uma relação entre cinema e histórias em quadrinhos.
De olho nessa relação e armado de seu prestígio, Winsor McCay se aventurou pelos caminhos desconhecidos do desenho animado. Gastou muito tempo, dinheiro e paciência em busca do timing apropriado para dar veracidade aos movimentos, e teve que fazer mais de quatro mil desenhos para cada filme. Mesmo sem experiência, conseguiu realizar nove deles em onze anos (sendo o mais famoso Gertie, the Trained Dinosaur, em que a ação filmada se misturava com desenho animado – o próprio autor adestrando e dando uma maçã à graciosa dinossaurinha) e se orgulhava muito de seu pioneirismo.
Porém, por mais dedicado que McCay fosse ao cinema, nenhum de seus filmes se equipara em termos de qualidade às suas histórias em quadrinhos. É interessante observar que, enquanto a arte cinematográfica veio se aprimorando técnica e plasticamente ao longo do século (com o advento da cor, do som, largura da tela, equipamentos), os quadrinhos alcançaram sua plenitude logo nos primeiros anos. Quanto à narrativa, as duas artes moldaram seus fundamentos e sua gramática básica bem cedo. Os códigos usados hoje pelo cinema são os mesmos forjados por Griffith e Eisenstein no início do século 20, por exemplo. Contudo, quanto à estética, a arte dos quadrinhos certamente foi mais precoce que sua irmã de celulóide. Little Nemo in the Slumberland é uma grande prova disso.
A SEGUIR... TRADUÇÃO, MONTAGEM E BOM SENSO.
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