CINEMA DE PAPEL (Parte 3) – TRADUÇÃO, MONTAGEM E BOM SENSO
Oswaldo Lopes Jr.
(Matéria escrita para a revista VEREDAS # 28 do Centro Cultural Banco do Brasil em abril de 1998, e republicada aqui na VALISE DE CRONÓPIO em oito partes)
Assim como nas adaptações literárias, não existe uma receita de sucesso ou mesmo um conjunto de regras preestabelecidas quando se leva uma história em quadrinhos para a tela grande. Os dois únicos mandamentos são: encontrar os signos cinematográficos que melhor traduzem os signos das HQs e – acima de tudo – ter bom senso. Batman, de Tim Burton*, nos fornece um bom exemplo do primeiro mandamento. Nos gibis, o Homem-Morcego usa uma roupa colante cinza com máscara e capa azuis. Num mundo de carne e osso, alguém vestido assim causaria ataques de riso. Qual seria a melhor tradução dessa indumentária no celulóide?
É preciso analisar a intenção de Bruce Wayne ao se vestir assim. Esgueirar-se nas sombras, impressionar e causar medo nos criminosos. Nesse caso, não caberia melhor uma roupa negra, em material que misture borracha e couro? Foi essa a interpretação do figurinista Bob Ringwood para o filme. Já O Justiceiro* ignora o visual essencial do personagem da Marvel Comics e deixa Dolph Lundgren sem a famosa camiseta preta com a efígie estilizada da caveira, tão adorada por metaleiros e skatistas. Respeitar o phisique du role de um personagem que se pretende adaptar para o cinema faz parte do segundo mandamento. Pode até não ser essencial em alguns casos, mas ajuda um bocado. Afinal, mesmo reconhecendo o grande talento de Nicholas Cage, quem vai se convencer com um Superman careca e com cara de carcamano? Só mesmo o iconoclasta Tim Burton, que já colocou o baixinho e apagado Michael Keaton no comando do batmóvel.
Falando de linguagem, não podemos esquecer que o cinema e as histórias em quadrinhos são as únicas formas de arte que compartilham a montagem – um elemento gramatical básico a toda e qualquer forma de narrativa visual. É lógico que sua aplicação é diferente em cada uma delas. No cinema é essencialmente a junção de dois planos, dois pedaços de filme, dando-lhes um ritmo e/ou um novo sentido. Nos quadrinhos é a diagramação, a sucessão de quadros e de páginas, também trazendo um ritmo e um sentido à história.
Um dos segredos de uma boa adaptação é saber dominar a montagem – manter, enfim, o ritmo da história. Fazer com que o espectador sinta estar folheando uma revista. Sem descuidar, naturalmente, da fotografia, pois aqui a linguagem narrativa a ser adaptada também é visual. Uma boa iluminação, os enquadramentos apropriados, o uso adequado de grandes angulares (lembre-se que heróis de papel vivem num mundo de fantasia, não realista), chicotes de câmera, etc. Para se fazer um “cine-gibi” eficiente não basta ter um arsenal de recursos: é preciso, acima de tudo, saber usá-lo com muito bom senso.
A SEGUIR... HERÓIS DE SÁBADO À TARDE.
* Apenas lembrando que este texto foi escrito antes das versões mais recentes de Batman e do Justiceiro, mais fiéis aos seus personagens de papel - especialmente o anti-herói da Marvel.
sempre que leio "cinema de papel" me lembro daquele desenho alemão As Aventuras do Príncipe Ahmed, é compulsivo.
ResponderExcluirIH! Esse aí eu não conheço, Cesar! Mas também a gente não pode conhecer tudo, né? Vou procurar me informar. ;-)
ResponderExcluiro nome em inglês é "The Adventures of Prince Achmed" e, com ajuda do IMDb, o original "Die Abentuer des Prinzen Achmed".
ResponderExcluirMuito interessante isso...
ResponderExcluirTambém acho, Ghis! :-)
ResponderExcluirBeijo!