terça-feira, 22 de fevereiro de 2005
BRANCO
É o maior medo dos escritores. Pelo menos um dos meus, especialmente neste momento. Há algum tempo estou travado para escrever. Pelo menos escrever algo que preste. Algo que alimente os sonhos alheios. Algo que me dê orgulho como escritor que sou - ou tento ser -, de profissão e de coração.
Falando nisso voltei a ler "Sandman". De cabo a rabo. Pensando bem, posso estar travado para escrever, vazio de idéias, mas estou afogado em sonhos. Mesmo antes de voltar ao mundo do Mestre Morpheus, tenho tido três, quatro, seis sonhos por sono. Agora há pouco eu estava num restaurante-hotel no alto de um morro em Belém do Pará com meus pais, comendo algo típico de lá e lembrando de um teleférico (que nunca existiu) e de uma máquina de sorvetes que tinha quando eu fui lá com 10 anos de idade. Não era nem parecida com a Belém de verdade, mas eu estava lá, e com meus pais, que já morreram há anos.
Tenho sonhado muito com eles, sempre bem e convivendo comigo. Sem contar a vez em que acampei com os amigos de ginásio no jardim atrás do Palácio de Buckingham... ou quando trabalhei como policial federal ao lado de Samuel L. Jackson para desbaratar uma quadrilha de traficantes de camisetas de malha... ou da vez que uma alce-fêmea se apaixonou por mim num hospital construído sobre a areia de uma praia deserta... e as vezes em que estive em Nova Iorque ou na Itália. Lorde Morpheus é mesmo uma figura, seja nas páginas dos quadrinhos, seja me providenciando essas inusitadas surpresas.
Voltando ao terrível branco, é incrível como isso pode ser cíclico. Meses após a morte do meu pai, as idéias me vinham sem parar e eu escrevia compulsivamente, quase como uma psicografia. Histórias aos borbotões (palavra que não leio, escrevo, falo ou ouço há décadas!). Mal dava tempo de me coçar ou respirar. E saiu muita coisa boa dessa catarse "literário-roteirística"! Uma odisséia passada no sertão baiano em 1926, envolvendo a Coluna Prestes, Lampião e alguns famosos personagens fictícios... uma inusitada aventura histórica situada em Hiroxima num certo dia 6 de agosto de 1945, antes do fatídico 8:16hs da manhã... uma viagem no tempo feita por um descuidado paleontólogo no interior do Brasil... bons tempos aqueles.
Sempre defendi que uma imaginação desenfreada é a melhor forma de moldar ou se evadir da realidade, e não as drogas. Uma imaginação fértil é a mais poderosa característica que o cérebro pode ter para um escritor. E meu principal combustível para alimentá-la sempre foi a música. Nos últimos anos Louis Armstrong, Scott Joplin e Duke Ellington têm se juntado a John Williams, Bernard Herrmann, Beethoven ou Penderecki numa procissão musical pelos meus ouvidos. A música certa no momento certo - especialmente num momento de criação - pode ser mais embriagante que litros de cachaça ou rum. E pode proporcionar um prazer infindável à alma. E mais que tudo, faz abrir as comportas da imaginação de forma devastadora.
Bem, falei, falei e cá continuo eu diante da folha em branco. Hoje não mais uma folha, mas a tela do monitor. Minha velha companheira de trabalho, uma Olivetti Lettera cinza, está aposentada num estojo de couro preto no fundo do armário. Porém uma velha Underwood de 1930 na mesa da sala grita silenciosa, nunca me deixando esquecer do meu rebelde sacerdócio de escrever, mesmo que a inspiração me falte. Escrever é um exercício, como ler ou fazer ginástica. Não praticá-lo traz o sério risco da atrofia. E isso definitivamente eu não quero pra mim.
Mas as horas se passaram e o branco continua... o que escrever? O que criar? Remexo meus alfarrábios, pastas e arquivos mentais, baús de memória e apesar deles estarem abarrotados de inspirações, ignições, lembranças e criaturas, nada me serve nesse momento. ANÁTEMA!, como diria minha irmã que não tenho.
Branco devastador. Branco total. Branco paralisante. Nem uma linha sequer. É como uma prisão de ventre cerebral. Talvez por isso quando criança eu falasse pra minha mãe que sentia "dor de baíga na cabeça"... hehe!
Os relógios ainda marcam as horas antigas, pré-horário-de-verão, e a angústia de uma página, uma tela, uma mente em branco ainda perdura, uma hora a mais que a vida à minha volta...
Dizem que os esquimós têm mais de 20 nomes diferentes para designar o branco. Será que têm alguma para definir ESSE TIPO de branco? O que assola a mente dos escritores?
Bem, amanhã eu tento de novo. Há muito a fazer longe do computador. E quando menos se espera as idéias pipocam em nossa cabeça como gatos brincando com mariposas.
Boa noite a todos. E desculpem a total falta de inspiração. E esta imensa página em branco.
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Ei! Volta e meia o branco me ataca.
ResponderExcluirhihihihii
Escrevi algo sobre isso aqui
:)
.
É, Oz... não fui a primeira... E não estamos sozinhos. A tal da maldição da folha em branco assombra, vez ou outra, quem um dia ousou usar palavras.
ResponderExcluir"Mas a maldição da folha em branco me assombra. Passo horas a olhar a tela do Word, troco pelo meu bloco de estimação (é, tenho ligação sentimental com minhas folhas de papel). Tomo um café. Mais um cigarro. Quem sabe uma coca light??? Mas a maldição se perpetua há dias. Estou fugindo dos temas óbvios. Estou fugindo de... um encontro comigo mesma!"
Mas, a catarse funciona! O exercício diário, constante, traz luz aos escritores, afasta os fantasmas, faz as palavras renascerem...
Que sua busca seja recompensada - bons sonhos!
beijos
Bia
[que hora mais louca pra ligar pra alguém que a gente nem conhece, né?]
Branco ? Página em branco ? Por aqui a tela apareceu coberta de letrinhas, um texto bonito, denso e gostoso de ler...
ResponderExcluirBeijos
Omo lava mais branco, então vamos lavar com sabão português mesmo...boas inspirações brou !!!
ResponderExcluirJá não tá tão branco assim não....
ResponderExcluirOlha o texto que voce ecreveu aí em cima!!!!
Se tivesse Branco Brancão, nem isso tinha saído!
Beijos,
OZ, de certo modo, você curou o branco com o próprio branco. Este texto em branco é bom pra caralho.
ResponderExcluirEu também tenho brancos homéricos. Com um agravante: tem sempre alguém pagando, esperando, pressionando, aquele que genericamente chamamos de cliente. E quanto mais o branco persiste, mais aumenta a expectativa em relação àquilo que cobrirá o branco de outras cores.
Sem falar da angústia que precede o parto, o frio na barriga, a agonia que não cessa.
Meu amigo, criar dói, desgasta, envelhece.
Tuas páginas em branco...
ResponderExcluirSe todas fossem iguais
que maravilha de ler...
Um fraternal abraço
Pikyto
Escrever 46 linhas com 128 caracteres cada, em branco, como você acaba de fazer, resultando num texto pra lá de bom, é de se tirar o chapéu. Eu tiro o meu, lhe dou parabéns e um abraço. Sergio
ResponderExcluirSe o Branco ficou desse jeito, imagina como ficará o Colorido...
ResponderExcluirBjkas
Sobre branco... vários filmes em cartaz falam sobre isso, de formas diferentes...como Sideways e "Em busca da terra do nunca"... veja, são muito legais...
ResponderExcluirAmei as cores de seu Branco.
ResponderExcluirPutz, eu tenho uma máquina de escrever que nem essa... não igual, mas antiga como essa...
ResponderExcluirTambém vivo o mesmo estado de ansiedade que vc tão bem descreveu. Ah, o cliente...
ResponderExcluirQueridíssimos amigos e visitantes desse alfarrábio cibernético:
ResponderExcluirMuito obrigado pela generosidade de vocês em relação ao meu branco mental.
Lua, é bom saber que compartilho o branco com outras pessoas. Somos companheiros de branco... :-)
Bia, minha outra colega de branco... exercício diário e constante é fundamental sim! E de preferência com um arsenal de músicas apropriadas, para facilitar a viagem. E não é problema algum ligar pra cá, contanto que seja até as 3 da manhã. ;-)
Minha querida Graça, sempre generosa e delicada! Estou em falta contigo, amiga. Tentei ir na missa mas Lorde Sandman não me deixou, acordei tarde demais. Mas a gente se fala. Força e muito carinho pra você! :-)
André, sabão português é uma boa, ó gajo. Hehehe! Valeu! E um forte abraço!
Drika... não ficou branco não? Uai? E eu pensei que tava apenas pensando alto... hehehe! Que bom que gostou do que eu escrevi! Beijão!
Zé, criar pode até doer, desgastar, envelhecer, mas pelo menos pra mim é um prazer só comparado a um orgasmo, pleno, absoluto, cheio de felicidade e excitação. Criar é o supra-sumo da vida. E valeu pelos elogios! Essa coisa de combater o branco com outro branco me faz lembrar veneno de cobra. ;-)
Grande Pikyto! Adorei o hai-kai elogioso e poético! Retribuo teu abraço, rapaz! E que bom ver você por aqui! :-)
Serjão, valeu pelo elogio! Valeu mesmo! A gente faz o que pode. ;-) Outro abraço!
Sílvia, uma coisa de cada vez. Depois desse branco vem o gelo, o creme, o salmão, o amarelo pálido... depois é que começam a surgir as cores de verdade. Apesar delas estarem guardadas dentro de mim, no meu peito e no meu cérebro. ;-) Beijão!
Cica, tem outros filmes sobre esse branco maldito. E muitos bastante inspiradores. Valeu pelas dicas! ;-)
Querida Olga, obrigado pelas palavras doces! Afinal o branco também é a união de todas as cores, não é? Beijão! :-)
Tem, sim. "Adaptação", "Jogue a Mamãe do Trem" foram os que me vieram imediatamente à lembrança. Afinal, são sobre escritores/roteiristas.
ResponderExcluirEspertinho, né? Nada melhor do que escrever sobre o branco, que é o melhor lugar para se escrever...
ResponderExcluirBom, meu caro Oz, bom de se ler!
belíssimo isso que você escreveu...
ResponderExcluiresse é o oswaldo que parece com o oswaldo que eu vi quando o conheci... risos... entendeu?
beijinho!
se assim é do branco, imagina do preto. Deve ser uma loucuuuura ;)
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