sexta-feira, 25 de fevereiro de 2005

ERA UMA VEZ NO FUTURO


ERA UMA VEZ NO FUTURO
Oswaldo Lopes Jr.

(Texto publicado originalmente no catálogo do Festival do Rio 2004 e no site oficial do Festival do Rio)

Já se vão 186 anos desde que Mary Shelley revelou ao mundo a criatura do doutor Victor Frankenstein, cerca de um século e meio que as aventuras fantásticas de Júlio Verne e H. G. Wells nos fazem sonhar, e 76 anos que o escritor e editor Hugo Gernsback criou a expressão science fiction para dar nome a tudo isso e muito mais. Identificava-se assim um movimento literário mundial em que autores partiam de conhecimentos científicos reais ou de suas probabilidades e extrapolavam, criando novos mundos, novas situações, geralmente extraordinários e aparentemente absurdos, para no fim falar sobre nós mesmos. Sim, porque o tema central da maioria das histórias de ficção científica não é simplesmente a matéria dos sonhos, e sim a essência do ser humano – seus medos, suas conquistas, seus desafios. A ficção científica usa o fantástico para espelhar a nossa humanidade. E por isso – mesmo sofrendo ataques preconceituosos de todos os lados – ela pode ser tão profunda e reveladora quanto as obras dos mais respeitáveis filósofos.

O cinema não demorou a perceber que todo esse universo de assombros e maravilhas poderia render filmes inesquecíveis, que fariam o público sonhar e a indústria cinematográfica se desenvolver ainda mais. Contos, romances e novelas que encantavam os leitores em livros, revistas e jornais tomam forma em celulóide, projetados em grandes telas em salas escuras. Era como se o sonho se tornasse realidade, pelo menos na realidade etérea do cinema.

Novas histórias foram sendo escritas diretamente para as câmeras e a febre se alastrou. Impulsionada pelos desenvolvimentos científicos do século 20 e também pelas mudanças artísticas, sociais e políticas – o expressionismo, a psicanálise, a industrialização, a Revolução Russa, o nazismo etc. A ficção científica cresceu tanto na literatura quanto no cinema. Os temas foram se tornando bastante amplos: viagens e batalhas espaciais, invasões alienígenas, encontros com civilizações de outros mundos, viagens no tempo, mundos paralelos, guerra nuclear e volta da humanidade a hábitos rudimentares, mutações genéticas ou radioativas, medo da automação, da vida artificial e da coletivização totalitária, colonização do espaço pelo homem. A abrangência da ficção científica é imensa e dá asas maiores e mais potentes às mentes das pessoas. Melhor dizendo, dá jatos, foguetes e máquinas fantásticas para levá-las aonde nenhum homem jamais esteve.

A mostra Era Uma Vez no Futuro traz uma pequena e significativa amostra do que o cinema de ficção científica é capaz. Mundos totalitários, automatizados e tirânicos, onde os sentimentos não têm lugar: Alphaville (1965), de Jean-Luc Godard, Fahrenheit 451 (1966) de François Truffaut. O futuro da Humanidade posto em questão: 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick, O Planeta dos Macacos (1968) de Franklin J. Shaffner e Zardoz (1973) de John Boorman. Superpopulação e caos: No Mundo de 2020 (1973), de Richard Fleischer. Alienígenas ameaçadores: Alien, o Oitavo Passageiro (1979), de Ridley Scott. O medo de alienígenas pacíficos: O Dia em que a Terra Parou (1951) de Robert Wise e O Homem que Caiu na Terra (1976), de Nicholas Roeg. Tecnologia e aventura: Viagem ao Centro da Terra (1959) de Henry Levin, A Máquina do Tempo (1960) de George Pal e Viagem Fantástica (1966) de Richard Fleischer. Ciência versus ética: O Homem Invisível (1933) de James Whale. Inteligência artificial fora de controle: Westworld, Onde Ninguém Tem Alma (1973), de Michael Crichton, e Blade Runner, o Caçador de Andróides (1982), de Ridley Scott. Manipulação da realidade: Solaris (1971), de Andrei Tarkovsky. Ou pura “ópera espacial”: Barbarella (1968) de Roger Vadim e Flash Gordon (1980) de Mike Hodges. São exemplares do que de melhor já foi produzido pela sétima arte no século 20.

Além disso, seis seriados clássicos – pela primeira vez na tela grande – dão um bom exemplo da abrangência da ficção científica na TV: Arquivo X, Perdidos no Espaço, Túnel do Tempo, Terra de Gigantes, Viagem ao Fundo do Mar e Thunderbirds. Todos são herdeiros legítimos de H. G. Wells e Júlio Verne e que, por meio de elementos fantásticos e não naturais, fazem nossa imaginação viajar e nossa consciência refletir sobre nossa vida, nossa sociedade, aqui, agora e sempre.


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NOTA: Os filmes O Homem Invisível, Solaris e Flash Gordon, e a telessérie Thunderbirds não foram exibidos no Festival do Rio 2004.

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Nas fotos abaixo: "Viagem à Lua" (1903), de George Méliès, "A Máquina do Tempo" (1960), de George Pal, "Alien" (1979), de Ridley Scott, "Blade Runner" (1982), de Ridley Scott, "O Dia em que a Terra Parou" (1951), de Robert Wise, e "2001: Uma Odisséia no Espaço" (1968), de Stanley Kubrick.

2 comentários:

  1. Pouco posso acrescentar... para não variar, seu texto é sempre rico em informações, detalhes históricos, fotogramas precisos... Lembro de ter lido esse texto. Só não conhecia ainda o autor.
    Abraços

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  2. Obrigado, Ricardo! De coração! Considero este um dos melhores textos que escrevi ano passado e muita gente elogiou na época do Festival. Mas a gente sempre gosta de lamber a cria, né? Eu já tava ficando agoniado de ver dezenas de pessoas entrando aqui e não comentando uma linha sequer. Eu e essa maldita mania de esperar dos outros o que os outros não podem dar. PRECISO parar com isso!!!!!... :-((

    Mas muito obrigado MESMO!!! Ler um comentário construtivo como os teus é sempre muito gratificante!!! :-)))

    Abração!

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