Sábado de manhã é dia de malhação. Não o tipo de malhação tão popular nas academias e praças de esporte da cidade, mas de um tipo de exercício que quase nenhum adulto faz e que é lei no universo infantil. Estou falando de exercitar a mente, mais especificamente a criatividade, a imaginação. Sábado de manhã é dia de passear na Feira de Trocas da Praça XV, no Centro do Rio.
Na ativa desde meados dos anos 70, a Feira de Trocas acontece todo sábado, das 5 da madrugada até às 2 da tarde, debaixo do viaduto da Praça XV. No começo merecia esse nome, pois na maioria das negociações o vil metal não estava presente. As pessoas levavam objetos de casa que não queriam mais e trocavam com os barraqueiros, por novos objetos de desejo e outros itens curiosos. Lembro que uma vez meu pai me levou lá quando eu tinha 10 ou 11 anos para trocar um jogo de tabuleiro que já tinha cansado. A ironia do destino é que o troquei por outro jogo de tabuleiro, este chamado TROCA. Nem preciso dizer que ele virou o símbolo da feira para mim.
Redescobri a Feira de Trocas no final dos anos 90 e passei a freqüentá-la quase que religiosamente, todo sábado de manhã. Antigamente eu chegava lá depois das 11 da manhã. Mas como já tinha ouvido falar que ela começava de madrugada, e que era preciso madrugar para achar alguns pequenos tesouros, um dia resolvi conferir. Atravessei uma sexta-feira à noite sem dormir e às 4:30 parti para a Praça XV com a curiosidade aguçada. Era preciso uma lanterna para examinar as poucas barracas que já estavam começando suas ofertas, mas quando o sol resolveu aparecer, realmente ficou mais fácil descobrir algumas pérolas perdidas no tempo.
A Feira da Praça XV tem qualidades fabulosas. A primeira é que você pode arrematar vários pedaços de sonhos e peças surpreendentes por verdadeiras bagatelas. Há uns três anos uma querida amiga paulista esteve lá comigo e comprou uma jaqueta jeans encrustada de terra e poeira por 2 reais. Mais tarde ela lavou a jaqueta e viu que estava em perfeito estado, e já amaciada pelo tempo. A terra e a sujeira saíram por completo e ela pode usar uma roupa única, com um custo ínfimo. Eu mesmo costumo pagar cerca de 1 ou 2 reais por cada item quando vou lá. Ontem saí de lá com 8 objetos nos quais gastei 12 reais - entre eles uma réplica em plástico perfeita da estatueta do Oscar. E ainda vendi uma caixa de miniaturas por 30 reais e um carrinho de ferro por 10 reais. Uma vez fui à Feira com 7 reais e saí de lá com 3 itens - um postal, um chaveiro e um brinquedo - e ainda com troco no bolso.
Outra grande qualidade da Feira é exercitar a imaginação, como já disse no início do texto. Como faço maquetes e dioramas, estou sempre pensando em como incrementar e subverter meus pequenos mundos em miniatura. Minha criatividade, sempre provocada pelos badulaques da feira, transforma molas, chaveiros, brinquedos, rótulos de bebidas antigas, miniaturas e outros bricabraques em objetos funcionais e imprescindíveis dentro dos dioramas. Objetos que nunca passaram pela cabeça dos fabricantes de brinquedos, maquetes e miniaturas. Cada sábado é uma verdadeira malhação da imaginação, ao olhar cada coisa e vê-la transformada em outra pelos olhos da mente e da criatividade. É como um passeio no Jardim da Criação.
Um colega que vive de comprar e vender brinquedos já faturou pequenas fortunas comprando bonecos de coleções infantis como 'Meu Querido Pônei', 'Moranguinho' e 'GI-Joe' por trocados e os revendendo na internet para colecionadores ingleses, americanos e japoneses por milhares de dólares.
Além disso, mesmo se você não estiver interessado em gastar nada, corre o risco de encher os olhos de lágrimas se deparando com lembranças da sua infância. LPs, álbuns de figurinhas, brinquedos de lata, roupas antigas, relógios, carrinhos, plastimodelos e bonecos Mug de pano preto e quadriculado resgatam a emoção da infância e adolescência perdida de cada um. Enfim, a Feira de Trocas da Praça XV é garantia certa de diversão, nostalgia, bons negócios e ótimas surpresas.