Muita gente (muita gente mesmo!) torce fervorosamente por seu time, seja no futebol, basquete, vôlei ou em qualquer outro esporte coletivo. Outros se preparam ansiosamente para ir a autódromos e vibram com corridas de fórmula 1, stock car ou motovelocidade. Em todo o mundo as pessoas se entregam de corpo e alma a esportes de competição, liberando as emoções sem limites, rindo, chorando, gritando, pulando, festejando de forma alucinada e catártica com a vitória dos grupos que veneram desde a infância. Eu nunca gostei de futebol nem de esportes coletivos. Por isso nunca soube nem de perto o que é sentir esse tipo de emoção por um esporte ou por um time.
Porém sinto a mesma catarse alucinada por outro universo: o cinema. Desde que me entendo por gente amo, venero, respiro cinema. Estudei a sétima arte metade da minha vida – academicamente ou por conta própria – e fiz dela minha profissão, seja como crítico, roteirista, fotógrafo ou professor. Além disso, tenho muito orgulho de saber separar os filmes que me dão puro prazer (e que nem sempre têm alguma qualidade artística) das obras perfeitas, com qualidades objetivas inegáveis, que falam mais alto que os gostos pessoais de qualquer um. Nem sempre esses dois caminhos se cruzam, mas às vezes me encontro nessas fantásticas encruzilhadas, como no caso dos filmes de Alfred Hitchcock ou Stanley Kubrick, só para citar alguns.
Há muito tempo atrás, numa segunda-feira, dia 30 de janeiro de 1978, então com 12 anos de idade, fui ao cine São Luís, no Largo do Machado, assistir ao filme que estreava então, um tal de “Guerra nas Estrelas” de um certo George Lucas. Era uma aventura de ficção científica cheia de efeitos, explosões, naves, alienígenas – tudo muito estranho e ao mesmo tempo fascinante, especialmente para um garoto de 12 anos. Eu tinha lido uma matéria sobre o filme na Revista de Domingo do Jornal do Brasil, escrita por José Carlos Avellar, e fiquei muito curioso com duas fotos que vi na matéria. Uma mostrava uma criatura peluda – um misto de cachorro, urso e gorila – com um pequeno headphone, e a outra mostrava um robô branco (que depois descobri ser um stormtrooper) montado num dragão (que vinha a ser um dewback). Eu me perguntava o que um cachorrão peludo estaria fazendo com um comunicador na cabeça... E o que mais me intrigava: o que um ícone futurista (o tal “robô”) fazia montado num ícone de contos de fadas (o tal “dragão”)? O impulso que mais me movia ao cinema naquele dia marcante foi a curiosidade, a vontade de ver minhas dúvidas esclarecidas, mais do que qualquer outra coisa.
Em 1978 o cine São Luís ainda era uma imensa sala, um saguão quase todo feito de mármore, grandes espelhos, além de muitas escadas, uma bilheteria exatamente no meio da entrada do cinema, com três andares de galerias, centenas de poltronas, um lustre descomunal pendendo do teto e uma tela gigantesca (como aliás muitas das saudosas salas de cinema naquela época). Depois do cinejornal, do curta obrigatório e dos trailers de outras produções o filme começou. Sala escura e na tela surgiu o símbolo da 20th Century Fox com sua fanfarra e o nome da produtora LucasFilm Ltd.. Logo depois, “A long time ago, in a galaxy far, far away...”, uma bela e pomposa música sinfônica de John Williams e o letreiro explicativo amarelo rolando no espaço sideral, distanciando-se da câmera. Isso já me encantou de cara. Porém, quando apareceu a superfície de um planeta e uma pequena nave cruzou a tela atirando para trás, seguida de uma “coisa” sem fim a perseguindo, eu já estava irremediavelmente hipnotizado. Aquela segunda nave era o maior objeto em movimento que aquele guri de 12 anos já tinha visto desfilando numa tela de cinema, e parecia que ela nunca terminaria de passar sobre nossas assustadas cabeças! Alguns minutos depois surgem os robôs – C-3PO e R2-D2 – e o terrível vilão vestido de preto, Darth Vader, “the dark lord of the Sith” (eu estava entrando no IBEU e me deliciava com aquelas estranhas expressões em inglês). Não tinha mais jeito, George Lucas já tinha me conquistado para a filosofia da Força.
“Guerra nas Estrelas” não era apenas uma space opera infanto-juvenil – como muitos detratores da saga insistem em rotulá-la até hoje –, mas naqueles dias eu não sabia disso. Apenas me contentava com as batalhas espaciais, os duelos de sabre de luz, os robôs, os alienígenas e tudo o mais que fazia minha imaginação coçar. Comprei o álbum de figurinhas (que com muito orgulho consegui completar!), o álbum duplo com a trilha sonora de John Williams, a revista ilustrada do filme, a adaptação em quadrinhos da Editora Bloch, além de outros itens que me remetiam àquelas duas horas mágicas que passei no cinema. Tornei-me um fã.
Em 1981, com a estréia de “O Império Contra-Ataca” no Brasil, aquele entusiasmo voltou, assim como em 1983, com o lançamento da última parte da trilogia, “O Retorno de Jedi”. Novas revistas, livros, discos e brinquedos se seguiram, além de Darth Vader, Chewbacca e um stormtrooper “em pessoa” desfilando pelos corredores do recém-inaugurado shopping Rio-Sul, em Botafogo, para total delírio dos fãs. Nessa época eu já comprava posters, lobbycards e press-releases de filmes nos almoxarifados das distribuidoras norte-americanas, e começava minha coleção de raridades. Descobri quem era o dono das fantasias que desfilaram no Rio-Sul e consegui emprestada a sagrada vestimenta de Darth Vader para uma aula de ficção científica que preparei na UFF, em fins de 1984. Lá estava eu, sob o capacete e o manto negros do vilão dos vilões, na terra de Araribóia. Um momento inesquecível, sem dúvida!
Após 1983, “Guerra nas Estrelas” foi esquecido pela maioria do público e da mídia. George Lucas prometera novos filmes, contando mais sobre seus personagens, mas nada se concretizou por muitos anos desde então.
No início dos anos 90 a editora americana Dark Horse comprou da LucasFilm os direitos para lançar revistas em quadrinhos baseadas no universo de “Guerra nas Estrelas”, e eu, que nesse tempo era um ávido consumidor e estudioso de HQs, não perdi um só número da série (na verdade perdi três ou quatro revistas em quase oito anos de coleção, mas isso não vem ao caso). E foi assim por anos. Vieram as revistas periódicas sobre a saga, “Star Wars Insider” e “Star Wars Galaxy Magazine” e todo mundo me perguntava como poderiam existir duas revistas bimestrais sobre uma trilogia de filmes que tinha terminado dez anos antes. Havia material para sustentar aquelas revistas? Como? O público leigo não sabia, mas estava surgindo o universo expandido, novas histórias da saga da família Skywalker em livros, quadrinhos, jogos de computador, RPGs e em todas as mídias possíveis, além de novos brinquedos da Kenner (que logo virou Hasbro), Applause e Galoob, (com suas MicroMachines).
Por volta de 1993, através da “Star Wars Galaxy Magazine” fiquei sabendo da intenção de George Lucas em retomar sua saga, relançando a trilogia clássica no cinema com novas cenas e ainda criando uma nova trilogia para contar como surgiu Darth Vader. I WENT NUTS! Enquanto o mundo ao meu redor comemorava os campeonatos de futebol, as temporadas de automobilismo, as copas do mundo, as olimpíadas, os natais e outros eventos, eu RESPIRAVA “Guerra nas Estrelas”. Em 1997 finalmente o mundo teve a chance de rever a trilogia clássica no cinema, da forma como deve ser vista e saboreada, na sala escura, numa tela grande e com som dolby. E eu tive “orgasmos cinematográficos” sucessivos, vendo e revendo seis vezes cada um dos filmes no cinema, sem gastar um tostão sequer, cortesia da minha querida amiga Catarina, gerente da 20th Century Fox no Rio de Janeiro. Pela primeira vez na minha vida comecei a compreender o que deve sentir um torcedor de futebol numa final de campeonato quando seu time do coração conquista o título máximo. Eu saía do cinema numa exaustão e numa alegria extremas, incomparáveis. Era catarse pura.
Dois anos depois, a catarse se repetiu com a estréia do primeiro filme inédito da saga em 16 anos de jejum, o tão aguardado (e tão ruim!) "Episódio 1: A Ameaça Fantasma”. Eu disse “ruim”? Desculpem: terrivelmente ruim; péssimo, superficial e descartável seria mais apropriado. E que eu assisti 11 vezes no cinema, entusiasmado em cada uma das sessões. Como bem frisei no início desse texto, não misturo paixão com qualidade. Gosto de filmes extraordinários, respeitáveis e consagrados, mas como todo mundo também gosto de uma certa parcela de lixo. Lixo divertido e prazeiroso, diga-se de passagem. Sei distinguir muito bem essas coisas. Porém passei três anos saturado de “Star Wars”, quando a ficha caiu em relação ao "Episódio 1". Depois de seis anos de expectativa e fanatismo, imerso no universo de George Lucas, eu curtia uma tremenda ressaca depois daquele porre cinematográfico.
Em 2002, Lucas nos serviu outra dose, o “Episódio 2: O Ataque dos Clones”, com a segunda parte da história de Anakin Skywalker, numa narrativa bem mais elaborada, uma ótima trama política e novos elementos interessantes que enriqueciam a personalidade de Anakin, o futuro Darth Vader. Porém o estrago do malfadado “Episódio 1” já estava feito: mesmo alguns longevos fãs da saga zombaram ou desprezaram este segundo filme. A nova trilogia passou a ser vista pela crítica e pelo público como um mero mostruário dos efeitos especiais da Industrial Light & Magic. De certa forma eles têm razão. Mas existem méritos nos novos filmes de Lucas, da mesma forma que a trilogia clássica é muito mais do que a space opera que os leigos e os detratores enxergam.
Na verdade toda a saga da família Skywalker retoma os clássicos contos de fadas, as aventuras de capa-e-espada, os seriados de cinema dos anos 30 e 40, as novelas de rádio, a primeira Era de Ouro das histórias em quadrinhos, os filmes de faroeste, o cinema B dos anos 50 e 60, os documentários da Segunda Guerra Mundial, além dos filmes de Akira Kurosawa e mitologias de várias culturas, filtradas pelo trabalho sério e respeitável do mitólogo e historiador Joseph Campbell. “Guerra nas Estrelas” é um amálgama de tudo isso. Basicamente é o mais bem construído resgate cinematográfico da mitologia e da fantasia nas últimas décadas, o tipo de alimento para o espírito e para a imaginação que toda geração precisa, da mesma forma que nosso corpo precisa de comida.
E agora, dentro de alguns dias, a saga termina, o ciclo se fecha, com o lançamento mundial de “Episódio 3: Revenge of the Sith”. Anakin Skywalker tornar-se-á o maior de todos os vilões de celulóide (ironicamente num filme digital). Desde 1983 será a primeira vez que veremos Darth Vader novamente na tela grande de uma sala escura de cinema. E melhor ainda, será descobrir de que forma um herói se tornou vilão. Um tema que mexe com a criança em cada um de nós, com a fantasia, a imaginação e mesmo com os conceitos de ética e moral que aprendemos desde a infância. Será uma volta no tempo, a 1977 (78 para os brasileiros), a visualização definitiva da velha explicação de Alec Guiness (na pele de Ben Kenobi) a Mark “Luke Skywalker” Hammill, quando este lhe pergunta quem matou seu pai: “Um jovem jedi chamado Darth Vader, que foi meu pupilo até virar-se para o mal, e que ajudou o Império a caçar e destruir os cavaleiros jedi. Ele traiu e matou seu pai. Agora os jedi estão extintos. Vader foi seduzido pelo lado obscuro da Força...”
Semana passada, durante um papo com um amigo, percebi que falta apenas um mês para a estréia de “Revenge of the Sith”... trinta dias para a saga dos Skywalkers se fechar... poucos dias para reencontrar o imperador Palpatine, Obi-Wan Kenobi, R2-D2, C-3PO e principalmente Darth Vader, dark lord of the Sith, numa tela de cinema num filme inédito. A adrenalina já voltou a ser bombeada em doses cavalares na minha corrente sangüínea e vai aumentar a cada dia, até 20 de maio. Deve ser a mesma sensação que os torcedores do Fluminense sentiram na semana passada... com a diferença que eu estou esperando por este filme HÁ 27 ANOS!!!
Confesso que nem consigo ter a dimensão real do que é isso. Só sei de uma coisa: I have a VERY GOOD FEELING about this!
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Abaixo: O anúncio de jornal do dia do lançamento de "Guerra nas Estrelas" no Brasil, em 30-01-78; eu vestido de Darth Vader dando aula de FC em Niterói em 1984; e o poster oficial de "Star Wars - Episode III: Revenge of the Sith".
Lembro até hoje Oswaldo quando vi o filme pela primeira vez. Era no Roxy ainda sem dividir as salas, lotado de pré adolescentes como eu e um clima de excitação intenso. Quando apareceu aquele texto sumindo no espaço, nos situando sobre a saga, já senti que era algo muito diferente mesmo. E saí de lá em extase absoluto.
ResponderExcluirLembro também que fazíamos competição de quem mais assistia o filme! Vi 13 vezes, até pq confesso que achei o Luke Skywalker uma graça!
Foi um filme que me marcou pra caramba tb, assim como outros...
E assisto até hoje quando tenho oportunidade...
Bjkas com a Força!
essa sensação de adrenalina que sentiu, eu sinto qdo alguma peça que quero mto ver estreia aqui no Rio! sei bem como é esse sentimento!!! muito bom ver sua devoção pela sua profissão, sua paixão!!!
ResponderExcluirbeijocas :******
ResponderExcluircaramba...
vc sabe que eu não morro de amores por este filme ou por esta saga...
mas este seu texto está digno de uma matéria em jornal ou mídia especializada, Oz...!!
me deu vontade de ver o filme por conta do seu texto, mesmo não tendo visto os anteriores (ou pelo menos não que eu me lembre...)
beijo grande...
Bem, eu nem preciso dizer, né, Sílvia? Não faço a menor idéia de quantas vezes eu já vi a trilogia clássica, até porque só conto as vezes que assisti no cinema. Em vídeo com certeza já passou da casa de 1000 vezes (assim como a trilogia Indiana Jones e Tubarão, que inclusive gosto mais do que de Star Wars).
ResponderExcluirE estou desde domingo vendo e revendo ad infinitum o trailer do Revenge of the Sith aqui em casa!!! :-)))))))))))))))))))
Beijos!
Oz
Não é "exatamente" uma devoção pela minha profissão, Vanessa... são esses filmes que realmente me fascinam desde criança: a trilogia clássica "Guerra nas Estrelas", a trilogia "Indiana Jones", "Tubarão" (este mais do que TODOS!), "Psicose", "O Iluminado", entre alguns outros... não me canso de rever e rever... pelo contrário!!! É sempre UM IMENSO PRAZER renovado a cada sessão!!! :-)))
ResponderExcluirBeijão,
Oz
eu vi "o Iluminado" esse ano! caraaaaaaaamba...dá mto medo!!! vixe...foi dormir com medo daquelas gêmeas! hahaha...agora só falta ver a trilogia SW, Indiana Jones e Tubarão! :) eu sou assim com noviça rebelde...nao me canso de ver..tem sempre um prazer renovado nisso tudo!
ResponderExcluirbeijão :*****
Pena que você não curta os filmes, Karla... e mais uma vez repito: é uma saga extraordinária, que fala diretamente à criança em cada um de nós, e envolve mitologia, História, histórias em quadrinhos, filmes de capa-e-espada, faroeste, contos de fadas, ética e moral. Star Wars é simplesmente a mais brilhante e fascinante mitologia dos tempos modernos.
ResponderExcluirE eu recomendo veementemente que antes de ver Revenge of the Sith (se é que você quer mesmo assistí-lo), você pegue os outros cinco filmes para ver antes dele. ;-)
E obrigado pelo elogio ao texto. Vindo de você, é um grande elogio. :-)
Beijos,
Oz
Hehehehehehehe!
ResponderExcluirAgora "só falta" ver os filmes que mais AMO NA VIDA!!! :-)))
...e que carrego no fundo do coração pelos últimos 30 anos... :-)
Quando quiser vê-los é só falar! ;-)
Beijos, menina!
Oz