quinta-feira, 31 de agosto de 2006

O ESPÍRITO BRASILEIRO


Hoje recebi por e-mail uma mensagem que me fez pensar mais a fundo a respeito de um assunto sobre o qual já tenho conversado com alguns amigos. Todo mundo, sem exceção, reclama dos políticos e de suas falcatruas. Nós na internet, porteiros, taxistas, donas de casa, dentistas, jornaleiros, médicos, enfim, toda a sociedade não aguenta mais tanta corrupção e mazelas! E todos nós sabemos muito bem que somos nós - e as outras dezenas de milhões de eleitores - que colocamos esses calhordas em posições de poder, aonde podem fazer e desfazer da vida do povo e encher seus bolsos, malas e cuecas de dinheiro.


Só que as pessoas que reclamam da corrupção, da denonestidade e da ineficácia dos políticos brasileiros - NÓS - são AS MESMAS PESSOAS que "dão uma cervejinha" pro guarda não multá-los, que jogam papel na rua, que fumam em lugares proibidos ou inadequados, que têm TV por assinatura ou internet "à gato", que copiam filmes e músicas sem pagar nada por isso ("apenas para uso pessoal ou para dar de presente a um amigo", justificam), que compram CDs, DVDs, roupas, brinquedos e utensílios piratas e falsificados nos camelôs, que sonegam impostos, que furtam uma barra de cereal de vez em quando num super-mercado, que estacionam em local proibido, que não usam cinto de segurança e que falam ao celular enquanto dirigem, que passam por baixo da roleta nos ônibus, que fazem fotocópias de livros inteiros, que tentam sempre levar alguma vantagem em qualquer negócio em que se metem... e acham que estão certíssimos e que não estão fazendo mal a ninguém!!! Enfim, esse é o povo brasileiro. ESTES SOMOS NÓS!!!


E atire a primeira pedra quem nunca fez pelo menos duas dessas coisas!!! E leiam o texto pois vale a pena a reflexão.


 


Entendendo o Brasil

Numa tarde de sexta-feira, recebi um telefonema de um amigo me convidando para ir a um churrasco na sua casa. Acontece que na naquela noite eu tinha que dar aula na faculdade. O problema é que eu queria ir ao churrasco, mas como?

Bem, eu agi como, geralmente, todos nós agimos: fiz de conta que estava cumprindo com a minha obrigação quando, na verdade, satisfiz o meu prazer. O churrasco começava às oito da noite e a aula às sete e meia. Fui à faculdade, registrei a aula, fiz a chamada e inventei uma aula de leitura na biblioteca, abandonando a turma. Saí para o churrasco querendo acreditar que cumprira meu dever de professor.

No churrasco, fiquei numa mesa com o dono da casa, que é médico, o amigo que estava sendo homenageado, que é policial, um amigo do homenageado que é advogado e político e a sua esposa que é universitária e estuda no período da noite.

O assunto era um só: a roubalheira dos nossos políticos e a passividade da sociedade (todos nós) mediante a podridão do episódio do mensalão. Todos estávamos revoltados e propondo soluções para o melhor funcionamento da máquina pública e para o resgate da ética entre a classe política.

Num dado momento, o telefone do dono da casa tocou e ele se afastou para atender. Retornando, disse com raiva: "Não dá pra trabalhar com certas pessoas". Naquela noite, ele estava de plantão no hospital, mas chegou lá cedo, visitou alguns pacientes e leu "por cima", os prontuários. Depois foi para casa e deixou como recomendação: "só me liguem em caso de extrema emergência ou se aparecerem pacientes particulares".

Estava aborrecido porque a enfermeira lhe telefonara só porque chegou um sexagenário com suspeita de infarto. Ele "receitou" medicamentos pelo telefone e disse que a enfermeira só devia ligar de novo se acontecesse algo grave.

Para aliviar o clima, perguntei ao amigo que estava sendo homenageado se já havia feito a sua mudança de casa. Ele respondeu que sim e, que isso não tinha lhe custado nada, pois o dono da transportadora lhe havia retribuído "um favor": meses antes, ele tinha "resolvido" uns probleminhas de multas nos seus carros que poderiam lhe custar a habilitação e, até mesmo, a sua empresa!

Aí, a esposa do político liga para uma colega que também fazia mestrado para saber se ela tinha respondido à chamada por ela enquanto ela estava no churrasco, pois ela já estava "pendurada nas faltas" nessa disciplina e não poderia ser reprovada. E, feliz, sorriu com a resposta da colega: dera tudo certo.

Em um outro momento, o anfitrião pergunta ao político como iria ficar o caso de uma certa pessoa. E ele respondeu que tudo estava indo bem, o problema era que na secretaria almejada já havia alguém concursado ocupando o cargo que tal pessoa pleiteava. Mas que ele não se preocupasse, pois estavam estudando uma medida legal (?) para transferir o "dito cujo" de função ou de setor para a vaga "do fulano" ser ocupada por ele. "Ele é um que não pode ficar de fora, pois foi comprometido com a gente até o fim", finalizou.

Em meio a tudo isso, não deixávamos de falar das CPI's, da corrupção dos políticos e da cumplicidade da sociedade que, apática, não movia uma palha para mudar nada.

Chegando em casa fui pensar naquela noite e em tudo o que havia presenciado.


De repente, me lembrei do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, que diz: "nós vivemos num ambiente de lassitude moral que se estende a todas as camadas da sociedade e que esse negócio de dizer que as elites são corruptas mas que o povo é honesto é conversa fiada. Nós somos um povo de comportamento desonesto de maneira geral, ou pelo menos um comportamento pouco recomendável".

O melhor era que eu não precisava fazer qualquer pesquisa para concordar com o escritor. A sua afirmação estava magistralmente retratada no meu comportamento e no comportamento dos meus amigos naquela noite e naquele churrasco que eu havia freqüentado.

Para começar, eu, como professor, roubei o povo ao fingir que estava dando aula. E estou surrupiando (roubando) a sociedade quando marco os tão conhecidos seminários só para não dar aulas, com a mentira disfarçada de que os alunos precisam treinar a arte de expressar bem as suas idéias. Isso pelo fato dessa afirmação não ser verdade, mas parte de uma verdade maior.

É lógico que os alunos precisam treinar a arte de bem expressar as suas idéias, mas só depois de serem conduzidos pelo professor que, por sinal, é pago para fazer isso. A verdade inteira é que, quase sempre por motivos pessoais, o professor acaba transformando o que seria uma, de várias técnicas de ensino, em sua prática regular de ensino e o resultado é uma enorme massa de estudantes "transfigurados", da noite para o dia, em professores dos professores que deviam ensinar, mas não ensinam.

E o que dizer do dono da festa, o médico que estava "tirando plantão" e que, ganhando o seu salário, reclamou de ser incomodado, apenas porque um senhor de idade estava com suspeita de infarto?

Somos tão convictos de que somos bons, que o médico chegou a dizer que, se ao menos o ancião tivesse sido diagnosticado por um profissional, então ele se sentiria na obrigação de ir atendê-lo.

Ele só esqueceu de um detalhe: se o plantonista do hospital que, por sinal era ele, estivesse cumprindo o seu plantão, o senhor de 64 anos de idade, casado, pai de seis filhos, aposentado e que trabalhava desde os doze anos de idade e contribuía com a previdência há trinta, talvez tivesse sido atendido por um profissional e não tivesse sofrido um derrame cerebral.

É interessante vermos, também, o caso da universitária, a defensora dos valores morais. E, aqui eu pergunto: que valores seriam esses? O famoso jeitinho brasileiro que, não custa lembrar, só virou instituição nacional porque nós lhe damos vida com as nossas atitudes!

Acredito que mais uma vez o Brasil passa por uma oportunidade de ouro para rever-se como país e sair crescido e melhorado de toda essa crise.

O grande problema está nas pessoas. Em mim, em você, nas nossas famílias, colegas, amigos e inimigos, parentes e aderentes. Se quisermos realmente uma nação melhor temos que assumir que nós também somos recebedores do mensalão e que, portanto, cada um de nós também é merecedor de sentar nas cadeiras da CPI.

Recebemos o mensalão quando fazemos coisas como as descritas acima, e também quando copiamos ou compramos CD's piratas, quando pagamos propinas ao guarda de trânsito para ele não nos aplicar multa, enfim, todos nós, cada um a seu modo e com o seu preço, também é culpado, pessoalmente, por tudo isso que está acontecendo no nosso país.

É bom não esquecer que nossos políticos não vieram de Marte, mas do nosso meio, corrompidos por nós, corruptos e corruptores. O real motivo para a sociedade assistir apática a toda essa decadência não é apatia, mas cumplicidade.

[Pedro Paulo Rodrigues Cardoso de Melo, Psicólogo Clínico, Psicopedagogo e Professor Universitário de Psicologia e Sociologia]


* * * * *

Imagem: "Reprodução proibida" (1937), de René Magritte


 

8 comentários:

  1. RECEBIDO DA AMIGA PAULA POR E-MAIL:

    Oswaldo,
    meus parabéns por mais essa leitura a mim presenteada.

    Recentemente eu recebi um e-mail que tratava de questão semelhante: que não devíamos falar de políticos se nem exemplos aos filhos nós dávamos. Ou seja, tiramos "xerox" para os rebentos na máquina da empresa; "tomamos emprestado" canetas que a empresa nos dá para trabalhar e, principalmente, quando aplicamos a Lei do Gerson com e para as nossas vontades.

    Acredita? Minha caixa eletrônica só faltou explodir de tanto e-mails dizendo que eu era a favor do Lula e das coisas que se instalaram no país.

    Ninguém, Oswaldo, se viu ali! Pior; acharam que a mensagem era para exaltar políticos corruptos. As pessoas reproduzem Brasília em seu cotidiano e nem se dão conta que Brasília é um reflexo dos exemplos que demonstramos em casa e que, como a ciência afirma, servirão de exemplo ao futuro da nação (bebendo ou não Coca-Cola).

    beijinhos da amiga...
    Paula Boretti.

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  2. É, Paula... quando vi que um monte de gente viu meu texto aqui e NINGUÉM respondeu, comecei a achar que todo mundo se sentiu ofendido com o que eu escrevi e com o texto que reproduzi. Todo mundo faz merda mas ninguém veste a carapuça.

    Sim, eu compro DVDs originais muito mais baratos em camelôs cuja procedência só pode ser de roubo de cargas, faço uma ou outra coisa citada no texto... tenho meus pecados como todos nós temos, e assumo isso. Sei que é errado, sei que não é ético, mas tento me manter no caminho da ética o máximo que posso e que vejo que prejudico um mínimo de pessoas. Pelo menos eu pus a mão na consciência e pretendo mudar coisas na minha vida.

    Não acredito que exista alguém correto 100% do tempo. Nem Jesus, nem Buda nem NINGUÉM foi isento de erros, defeitos e pecados nesse mundo. Não serei eu o primeiro.

    E não adianta nada reclamar dos políticas - mesmo elegendo quem achamos que são os mais honestos - se agimos de forma contrária a que condenamos.

    Beijos,
    Oz

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  3. É, Paula... quando vi que um monte de gente viu meu texto aqui e NINGUÉM respondeu, comecei a achar que todo mundo se sentiu ofendido com o que eu escrevi e com o texto que reproduzi. Todo mundo faz merda mas ninguém veste a carapuça.

    Sim, eu compro DVDs originais muito mais baratos em camelôs cuja procedência só pode ser de roubo de cargas, faço uma ou outra coisa citada no texto... tenho meus pecados como todos nós temos, e assumo isso. Sei que é errado, sei que não é ético, mas tento me manter no caminho da ética o máximo que posso e que vejo que prejudico um mínimo de pessoas. Pelo menos eu pus a mão na consciência e pretendo mudar coisas na minha vida.

    Não acredito que exista alguém correto 100% do tempo. Nem Jesus, nem Buda nem NINGUÉM foi isento de erros, defeitos e pecados nesse mundo. Não serei eu o primeiro.

    E não adianta nada reclamar dos políticas - mesmo elegendo quem achamos que são os mais honestos - se agimos de forma contrária a que condenamos.

    Beijos,
    Oz

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  4. RECEBIDO DA AMIGA PAULA POR E-MAIL:

    Meu querido, nenhum de nós é isento de nada. Somos humanos e como tal, vamos errar até no "andar de cima". Portanto... desencana geral!

    Como já disse a cantora Pitti, "quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra".

    Ou você acha que até na Dinamarca (tida como sociedade modelo ao mundo) as pessoas não tem deslizes? heheeheh

    Conta outra hehahah. Prá cima de moi... é ruim, heim!

    beijinhos.

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  5. Pois é, Oz, a corrupção vem de baixo, na verdade... muitas vezes vi pessoas reclamando dos políticos, e nessas horas eu imaginava o que esses reclamões fariam se estivessem no poder... quase certamente o resultado seria o mesmo. Todos os países tem políticos ladrões, mas aqui a coisa é muito mais explícita, eles não tem nem vergonha porque são escorados pelo modo de agir do povo, que sempre achou o máximo o "jeitinho brasileiro", isso é, burlar alguma lei "idiota" para se dar bem.

    O Brasil é o que é por causa do povo que tem (de todas as classes). Se fôssemos corretos e ordeiros, jamais admitiríamos um político viajar com dinheiro na cueca, isso seria cadeia na certa. Aqui é no máximo um constrangimento passageiro para a pessoa.

    Não tem muito a ver, mas me lembro de duas pequenas coisas ligadas ao futebol, que explicam um pouco o nosso povo. Uma delas foi quando a seleção foi jogar na Noruega, há alguns anos, e um comentarista nosso estranhou que o campo não tinha alambrado. Ele se aproximou do administrador do estádio e perguntou: "Mas como é que vocês vão fazer para as pessoas não invadirem o campo?". O norueguês olhou perplexo para ele: "Invadir o campo?". Ele nunca tinha sequer pensado numa possibilidade dessas. Claro que mesmo os brasileiros que viviam naquele país jamais fariam isso. "Em roma como os romanos"...

    Outra foi do Dunga, o nosso técnico atual. Ele contou uma vez como teve que ensinar os jogadores japoneses a andar na barreira, para diminuir o espaço do jogador que vai bater a falta. "Mas não pode!", eles diziam, "Está na regra! Tem que ter 9,15 metros!". O Dunga, como qualquer brasileiro, achou aquilo muito engraçado e inocente da parte deles e ensinou os caras a "burlar" a lei e tirar o máximo proveito da desatenção/frouxidão do juiz. Essa historinha é vista como engraçada por aqui, como não poderia deixar de ser, e os japoneses são gozados por isso... mas o futebol é uma das poucas atividades no mundo que "premiam" esse tipo de atitude. Não à toa o Japão é um dos líderes no mundo e nós estamos nessa eterna pindaíba...

    P.S.: É claro que eu já cometi alguns desses deslizes (principalmente ligados à pirataria)... afinal de contas sou brasileiro e sempre vivi aqui.

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  6. É, Marcelo, sempre foi bacana esse nosso jeitinho brasileiro, até que chega um momento em que a gente fala tão mal dos políticos e quando passa na frente de um espelho e vê o mesmo "monstro" ali refletido. Claro, apenas os que têm algum bom senso e alguma auto-crítica ainda, além de espelho em casa.

    Não estou querendo ofender ninguém nem dizer que "somos todos canalhas". Só me dei conta de que todos nós cometemos erros e burlamos a lei ou o bom senso de vez em quando sem sujar a consciência. E nem nos apercebemos disso!!! E mesmo assim metemos o dedo na cara dos políticos para taxar todos de corruptos e calhordas, como se não fôssemos nós que os pusessem no poder! E como se nós fôssemos todos perfeitos íntegros e éticos 100% do tempo. O que é uma mentira e uma hipocrisia deslavada!!!

    Acredito que o povo brasileiro seja bom e tenha uma boa alma, talvez mais ingênua e infantil (no bom e no mal sentidos) que a maioria dos povos do mundo, mas ainda temos muito o que nos consertar, principalmente em relação a seguir certas regras para que a sociedade funcione bem como um todo. Esse exemplo que você deu do alambrado em torno do campo foi perfeito!!!

    Grande abraço,
    Oz

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  7. A idéia da representacao de democracia é o que incomoda nos seus críticos, porque querem ver no congresso a representacao de algo que eles mesmos nao sao...

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  8. Exatamente, Ângela!!!! Além de amorais e anti-éticas, as pessoas estão ficando cada vez mais hipócritas. E pior: consigo mesmas!!!

    Beijos,
    Oz

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