O cara estava namorando uma menina espetacular. Menina é forma de dizer: ela era seis anos mais velha que ele, mais alta, quase formada em jornalismo na PUC, fazia artesanato, tinha personalidade forte e ao mesmo tempo era delicada e divertida. Em resumo, a mulher dos sonhos de qualquer homem de bom gosto. O problema é que o cara não era o titular e sim o "Ricardão". A ele ficavam reservadas as terças e quintas à tarde, as folgas em que ninguém tinha nada para fazer, o restolho do tempo.
Mas o cara estava encantado por ela! Eles se conheceram num trabalho temporário, estavam juntos (dentro dos limites explicados acima) há dois meses e quando ele tinha a chance de andar de mãos dadas com ela, o cara levitava cerca de uns cinco centímetros do chão, inflado de felicidade. Transaram duas vezes, na casa dele, quando os pais estavam viajando. Uma ao som de George Gershwyn, como tórridos amantes de elegantes filmes antigos, e outra ao som da trilha sonora de "Psicose", composta pelo sisudo Bernard Herrmann. O cara estava empolgado porque era sua última grande aquisição musical (ou talvez porque gostasse da idéia de dominar aquele mulherão como se fosse o próprio Norman Bates). Enfim, a bizarra tentativa de sexo nem rolou e tudo terminou com os dois gargalhando nus no sofá com taças de vinho meio vazias caídas no tapete.
O casal trocava presentinhos simples, desenhos infantis de animais híbridos (o "ratopinto", que ela fez pra ele, por exemplo) e freqüentavam um pub escondido no Leme. Numa das tardes livres tão ansiosamente aguardadas por ele, a moça chegou, sentou e o cara logo gritou "Juvenal, traz a cuba-livre dela!" na direção do balcão. Ela estava séria e disse que os dois precisavam ter uma conversa muito séria. O cara se fez de desentendido, começou a perder o controle, ela tentava tomar coragem para explicar as coisas, Juvenal trouxe a cuba-libre com a presteza e discrição que só os barmens mais experientes têm, o cara gaguejou que tinha uma coisa pra ela, a moça entornou meio copo da bebida goela abaixo e disse na bucha que tinha contado tudo sobre o caso deles ao namorado, que os dois tinham chorado muito, que o corno a perdoou e que ela estava ali para terminar tudo com o cara.
O tempo parou, enquanto ela explicava que adorava ele, que não queria que ele sofresse de jeito nenhum, que gostaria que ele fosse muito feliz, mas que não dava para manter mais aquela situação entre eles. Enquanto ela falava, o tempo continuava parado, num milagre físico, estático, congelado. O cara não conseguia piscar nem tirar os olhos arregalados do rosto dela. Provavelmente teve um pequeno coma e um enfarte nesses poucos segundos infinitos e eternos.
Ela tirou uma foto três por quatro da bolsa, escreveu uma pequena dedicatória a ele, tirou o anel que ele lhe dera de presente, levantou-se, deu-lhe um beijo na testa. O cara continuava congelado, parado, fixo, imobilizado, como se tivesse sido afetado por algum gás tóxico ou pelo dardo envenenado de algum personagem de quadrinhos. AH! Antes de ir embora e de deixar bem claro que amou cada instante que os dois tiveram juntos, a moça disse que estava "atrasada", e que como a camisinha rasgou durante a transa ao som de Gershwyn, ela não tinha certeza qual dos dois era o pai. E saiu.
Juvenal olhou para o amigo como se ele tivesse sido acusado de ter cometido múltiplos assassinatos e condenado à pena máxima. Sem fazer muitos movimentos, o cara pediu a Juvenal a velha gim-tônica de sempre. Mas sem a tônica. E que ele deixasse a garrafa na mesa.
Vinte e três minutos mais tarde, a garrafa de gim (que acabara de perder o lacre) estava mais seca por dentro do que por fora. O cara já estava num ônibus lotado a caminho da Praça XV, no Centro do Rio. Após uma fila paquidérmica, o cara atravessou a baía da Guanabara à bordo de uma cantareira. O gim balançava mais na cabeça dele do que as ondas batiam no casco da barca. Ao chegar na UFF, ele foi recebido de braços abertos pelo seu amigo Daniel (que se parecia muito com o Pato Donald, mais pela ranzinzisse e pelo estado de espírito do que pela aparência), que o veio abraçar feliz da vida repetindo "cara, eu vou ser tio! Eu vou ser tio!"
Quase desfalecendo de embriaguez, desencanto, desespero, cansaço físico, e uma forte vontade de morrer (não real, mas como sentem os jovens poetas) nos braços do amigo, o cara só teve forças de balbuciar "Daniel... eu vou ser pai...", e caiu sentado no chão.
Daniel, atônito, pensou bem e disse "cara, você não tá bem!"
* * * * * * * *
Alguns dias depois ela ligou pro cara só pra avisar que tinha sido menstruação atrasada. O desenho do "ratopinto" está em algum lugar nos alfarrábios dele.
Histórias de amor, ah!, histórias de amor...
ResponderExcluirO que seríamos de nós sem elas? Rir dos outros é muito feio e chato. Rir de si prõprio é bem mais gratificante! ;-D
ResponderExcluirHistórias de amor sempre me emocionam
ResponderExcluirVc sabe contar muito bem
:))
Obrigadão, Lua!
ResponderExcluirTambém me fez bem escrever esse "causo". ;-)
Muito bom... não à toa te incito a escrever, he, he...
ResponderExcluirAbraços.
Valeu, Marcelo! Valeu de coração!
ResponderExcluirEssa terapia de escrever as histórias d"o cara" está sendo uma delícia!!!
Abração!
Muito boa Oz, gostei, parabéns de novo ^_^
ResponderExcluirBeijos
Adorei!!!! Estou morrendo de rir com suas histórias !!!!
ResponderExcluirObrigado, Sílvia!
ResponderExcluirEsse cara sofre! Hehehehe!
Beijos!
Fico muito feliz com as suas palavras, Márcia!!!!
ResponderExcluirTambém me divirto escrevendo. Saber que os amigos também curtem meus textos me deixa mais feliz ainda! ;-)
Beijo grande!!!