quarta-feira, 20 de junho de 2007

O CARA E O BIDÊ DE ROSEMARY

Reunir os amigos para ver filmes na casa de um deles era um dos programas favoritos do cara. Desta vez a anfitriã era Rosemary, que ainda morava com os pais. O apartamento era antigo, daqueles grandes, num prédio imenso construído nos anos 40 ou 50 em Copacabana. Os pais da garota estavam viajando e eles faziam uma noite de queijos e vinhos, enquanto decidiam o que assistir no DVD. O acervo da casa era restrito aos clássicos românticos da mãe, aos faroestes e filmes de guerra do pai e a algumas coisas moderninhas de Rosemary. O cara tinha levado "Shaun of the Dead", que era seu cult-movie na época e só alguns da turma viram. A Josie estava preparada com um show da Marisa Monte e "Chicago", para ter opções se o pessoal ficasse na dúvida entre um musical e um musical. O Léo, como sempre, tinha levado um Wim Wenders e um Fellini. Adriane esqueceu de levar filme e não fazia veto a nenhum. O Edson sacou triunfante da mochila seu último box do "Seinfeld" e "Munique", que ninguém viu no cinema. Mas como todos preferiam mesmo comédias e acabaram entrando no clima nostálgico do Ricardo, a escolha unânime foi o filme que ele levou, "A Dança dos Vampiros", do Polanski.

Rosemary estava toda tensa, com medo do pessoal lambuzar o sofá da mãe de cheddar e gruyère. O Léo, que nem sacava mais do que os outros sobre vinhos, logo se tornou o senhor-todo-poderoso do saca-rolhas quando foi o primeiro a conseguir abrir uma resistente garrafa de merlot chileno. Adriane tinha organizado a lista de compras e parecia ser a pessoa mais responsável ali presente. O resto da turma só queria mesmo era bater-papo, beber muito, degustar uns laticínios chiques e curtir um bom filme.

Naquela noite, penetrando no coração da Transilvânia, o professor Abronsius levou seu fiel assistente Alfred e a turma toda para uma deliciosa aventura soturna e hilária. Edson salivava só de olhar o pescoço de Sharon Tate, indefesa na banheira. A Josie não parava de se encantar em como o Polanski estava garoto e "bonitinho", apesar da nareba e da cara de nerd. O cara devorava todo o gorgonzola que podia, num pão sírio e regado a um tinto gaúcho, enquanto Adriane parecia mais feliz em degustar sua taça de vinho californiano e em estar cercada dos amigos mais queridos. De vez em quando Ricardo soltava umas observações engraçadinhas, como de hábito, e Léo insistia nas comparações entre os vampiros da Universal, da Hammer e do raio que o parta, já que quase sempre se ouvia um shhhh quando ele abria a boca (mais de pirraça mesmo).

Lá pelas tantas, enquanto Shagal implorava um lugar para dormir ao medonho corcunda Koukol, o cara foi esvaziar seu tonel no banheiro, para poder enchê-lo de novo com a sagrada bebida de Baco. Logo que entrou, ficou espantado com o tamanho do cômodo. O banheiro bem que poderia pertencer ao castelo do Conde von Krolock. Com um pé direito bem alto, uma pia e um espelho de fazer inveja a qualquer hotel europeu classudo, banheira e box separados, bidê e todas as toalhinhas e bibelôs característicos, o lugar tinha peças de mármore e era forrado com imponentes e belos azulejos que pareciam ter chegado ao Brasil nas caravelas. Enquanto esvaziava a bexiga na respeitável privada (até o limite máximo que uma privada pode ser respeitável), o cara concluiu que bastava aquele banheiro para se montar uma boa festa com umas garotas, um sonzinho e uma garrafa de Jack Daniels.

Porém havia algo de diferente ali que o cara não conseguia captar. Não, não era o cheiro. O lugar realmente era perfumado com as essências da mãe de Rosemary. Apesar de todo o banheiro parecer não pertencer ao mundo real, simplesmente havia algo ali que não parecia certo de verdade. Só que o cara não descobria, por mais que tentasse. Fechou o ziper e lavou as mãos, ensaboando-as insistentemente num singular peixe-sabonete, que provavelmente foi feito antes dele nascer. Ao enxugar as mãos, o cara notou que seu cadarço estava solto. Instintivamente apoiou o pé no bidê para amarrar o laço. E aí se deu a tragédia.

O aristocrático bidê estava solto e o cara se agarrou no porta-toalhas para não cair. Ao contrário dele, a peça de mármore não tinha mãos e se espatifou no chão, ecoando como uma explosão pelo apartamento. Assustado com o estrago que fez por causa de um tênis desamarrado e sem poder evitar as conseqüências, o cara saiu correndo dali. Na sala, todos estavam parados e mudos, como numa fotografia, alguns com as taças a meio caminho da boca, outros com nacos de queijo entre os dentes, todos de olhos arregalados e inquisitivos. Apavorada por suspeitar o que tinha acontecido, Rosemary correu até a porta do banheiro e gritou.

Segurando uma longa faca suja de queijo brie, ela levou a outra mão à boca e arregalou os olhos azuis como dois pires. "O que você fez com o bidê da minha mãe, seu idiota? O banheiro estava em obras, sua anta! Eu te disse pra tomar cuidado!". O cara não sabia o que fazer, o que dizer, aonde se enfiar. Queria sumir descarga abaixo. Adriane defendia o coitado enquanto – só para piorar as coisas – Josie só pensava na reação da mãe de Rosemary quando voltasse de viagem. E a anfitriã, descontrolada, com aqueles olhos imensos e a ameaçadora faca na mão continuava gritando "O QUE VOCÊ FEZ COM ELE? O QUE VOCÊ FEZ COM O BIDÊ?"

Diante da cena, alheio à confusão e depois de uma garrafa e meia de beaujolais, Ricardo olhou o Polanski na tevê e ainda pensou em responder "ele tem os olhos do pai". Mas pensou melhor e se calou, com medo que a lâmina suja de queijo na mão de Rosemary fosse parar no seu pescoço.

 

23 comentários:

  1. Hahahahahahahaha!!! Tô me escangalhando de rir aqui, Oz! :-)

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  2. Sábio Ricardo, como todo Ricardo costuma ser...
    Muito boa essa sua série, meu caro!
    Abração

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  3. Grande Ricardo!

    Hehehehehehehe!

    Olha, deixando mesmo a modéstia de lado, eu também estou ADORANDO "psicografar" as histórias d"o cara". ;-)P

    E as tuas palavras de incentivo - que eu sempre considero como as de um professor - só me dão cada vez mais ânimo de seguir em frente contando as histórias d"o cara". Provavelmente um dia eu direi "meu deus, eu criei um monstro!", mas por enquanto estou me divertindo a valer com tudo isso!!! :-))

    E tem pelo menos mais quatro causos d"o cara" vindo por aí! Prepare-se! ;-D

    Abração!

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  4. Fico MUITO FELIZ que você tenha gostado do texto, Paulinha!!! Eu mesmo dei muitas gargalhadas aqui sozinho enquanto escrevia. Essa série d"o cara" está me dando uma IMENSO PRAZER em criar!!!

    BEIJÃO E SAUDADES!!!

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  5. hahahahahahhahaahaha
    amo bidês. e ei, tarados, não pensem besteira. acho bonita mesmo a peça. Pena que os banheiros atualmente não comportem nada além da mangueirinha ;P

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  6. O cara até que achou o bidê bonito, Ângela, mas não teve culpa se os operários da obra na casa de Rosemary não colaram o coitado no chão, hehehehehe!

    Beijo grande!

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  7. hahahhahahahaha!
    Tô adorando suas histórias.
    Este bidê de Rosemary então!!!
    Demais!!
    Bjos.

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  8. Muito bom, Oz!
    Ri muito aqui imaginando a cena toda!
    Você escreve muito bem!!!

    Beijos!

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  9. Esqueci de dizer que eu AMO o filme "A Dança dos Vampiros"!!!

    Você tem ele em dvd???
    Se tiver, pode fazer uma cópia pra mim?
    A gente combina depois, ok?

    Beijoca!

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  10. Obrigado, Lua!

    Eu acho que estou me divertindo mais do que qualquer um com as histórias do cara, e essa do bidê levantou demais o meu próprio astral!! Já li e reli várias vezes, só pra rir das bobagens do cara! :-))

    Beijão!

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  11. Obrigadão, Renata! Tuas palavras me alegram e me envaidecem! Especialmente a terceira frase... :-)P

    Sei que estou bastante em falta contigo e preciso te ligar pra gente bater um papo legal.

    Tua volta aos meus alfarrábios me deixa muito feliz também!

    Beijão!

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  12. Tenho o filme em DVD sim, e apesar de não ter gravador de DVD, vou arrumar um jeito de copiá-lo pra você.

    Nem preciso dizer que também ADORO, né? Aliás, quase tudo que aquele gnomo polonês narigudo perturbado dirigiu eu adoro.

    Aliás já te contei que esbarrei com ele - literalmente! - na piscina do Copacabana Palace durante um Festival do Rio? Tenho o autógrafo dele na capa de um caderno de anotações do festival. Ele foi muito simpático comigo.

    Aliás escrevi "aliás" duas vezes seguidas, começando duas frases... tô começando a me parecer com o cara... isso pode ser perigoso! ;-P

    Beijos!

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  13. Eu sempre disse que você escrevia bem, Oz!
    Você tem um talento nato!
    Fico muito feliz quando vejo que está se inspirando e escrevendo!
    Para nós, simples mortais, um deleite!
    :-))))

    É sincero o elogio!

    Beijos!

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  14. EU TENHO!!!!

    Vamos combinar um dia pra você vir aqui em casa???

    Beijos!

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  15. Ah... dá uma olhada lá na Toca do Dvd...
    A coisa tá ficando boa!
    :-)

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  16. Sacanagem Oz, eu não posso rir alto aqui. Adorei a história, digna dos melhores filmes de comédia.

    Beijo

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  17. Chorei de tanto de rir !!!!
    Tbm chorei pela perda da preciosa peça !!!!
    Hahahahahah !!!!!

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  18. Oz, meu chapa!!!
    Chorei de tanto rir !!!!!
    Tbm pela perde da preciosa peça !!!
    Hahahahahah !!!!!

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  19. Obrigadíssimo, Sílvia!

    Fico feliz em ter te feito gargalhar alto (como eu mesmo fiz várias vezes relendo em looping esse conto!).

    E como já disse aqui e pessoalmente pra várias pessoas, considero este o melhor texto que já escrevi nos últimos dois anos!!!

    Beijão!!!

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  20. Tuas palavras me enchem de orgulho pelo meu "filhote" mais querido e bem acabado dos últimos dois anos, Márcia!!! Estou me esforçando muito pra chegar perto de "O CARA E O BIDÊ DE ROSEMARY" novamente!!! :-)

    Beijão!!!

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  21. O trocadilho é ótimo. A cena me lembrou O Convidado bem trapalhão. O que ele faz naquele banheiro é um troço!

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  22. Valeu novamente, Angela! :-)

    Essa crônica eu tenho que admitir, mesmo deixando a modéstia de lado, que é muito boa mesmo. Até hoje me divirto quando lembro de algumas passagens. Tenho muito orgulho dessa historinha. A melhor coisa que escrevi nos últimos dois anos, sem sombra de dúvida! :-)

    Beijão!

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