terça-feira, 24 de julho de 2007

O CARA E A AVENTURA AMAZÔNICA

Quando se fala em praia deserta, logo vem à mente a imagem de um bela extensão de areia branca à beira de algum oceano de marolas preguiçosas, adornada por coqueiros e com um pôr-do-sol incrível ao longe. Foi por isso que o cara se espantou ao encontrar uma praia deserta num lugar tão inusitado.

Naquele mesmo dia bem cedo ele chegara ao sítio de um tio distante de barco, num raro pedaço de terra seca cercado de charcos e rios, no alto Tocantins, interior do Pará. Mal acabaram o café da manhã, já foram todos – primos, tios, pai, peões, feitores – a caminho do interior da floresta para pegar a boiada do tio de volta. Uma vez por semana eles levavam o gado para uma clareira gramada encravada no meio das árvores mais altas para um festim vegetariano. E estava na hora de buscar de volta a turma de couro e chifres.

Para o cara, um urbanóide típico, enfiar as pernas em igarapés coalhados de piranhas e outros bichos estranhos, era algo inimaginável. E era exatamente isso que ele fez. Em menos de cinco passos os chinelos do cara afundaram na lama e se perderam. Os primos riram muito daquele parente desajeitado e estranho. "Não tem perigo das piranhas atacarem a gente?" era só no que o cara pensava. Um dos tios explicou que se pode nadar tranqüilamente entre cardumes de piranhas, se você não estiver sangrando. É o sangue – e a fome – que faz esses peixes atacarem. "Portanto elas têm que estar bem alimentadas também", pensou ele.

Meia hora atravessando a floresta amazônica com água pelas coxas os levou a uma belíssima clareira, parecida com algo de contos de fadas. Reuniram o gado e todos voltaram pelo mesmo caminho alagado, com os feitores na frente, guiando o grupo, e os peões atrás, cuidando para que os bois não saíssem do caminho. No trajeto de volta o banquete de grama que a boiada carregava no bucho foi se transformando em esterco e sendo devidamente expelida diante dos últimos membros da expedição – para o constrangimento do cara e para a diversão dos primos. E todos caminhavam sobre bosta de boi e água de igarapé, felizes da vida.

Para compensar o cansaço da caminhada um farto almoço os esperava, todo feito de caça. O cara e a família comeram jacarés, piranhas, pato ao tucupi e outras iguarias típicas paraenses. A sesta obrigatória nas redes sob as árvores terminou abruptamente quando o dono da fazendo acordou os visitantes e anunciou que iria levá-los a um lugar diferente, mágico. Meio a contragosto o cara – cujo pecado capital favorito era a preguiça – levantou-se da rede e se instalou no barquinho a motor do tio, escolhendo um lugar mais confortável. O problema é que aqueles barcos não tinha nada de confortáveis e o cara, suspirando fundo, foi se aboletar na proa, para pelo menos poder aproveitar a paisagem.

O barco media cerca de dez metros e era quase todo coberto. Porém o motor fazia um barulho ensurdecedor e o cara estava agradecido de ter escolhido ficar ali, bem longe do motor. Mas não era apenas isso: a paisagem era algo de enlouquecer qualquer gringo, mais bela do que qualquer pintura de Gauguin nas ilhas dos mares do sul. Uma vasta floresta, árvores e vegetação de todos os tipos, pincelada de variados tons de verdes e marrons, revoadas de tucanos, araras e outros pássaros menos identificáveis mas tão lindos quanto. Sobre suas cabeças nuvens de algodão doce e cogumelos nucleares, inofensivos e enormes, estampando um fundo azul inacreditável de tão limpo. Com o sol reinando e o vento fresco batendo-lhe no rosto, o cara era o próprio Ishmael na vigia do Pequod, atento a qualquer cardume de (naquele caso) botos.

Cada curva do rio trazia uma surpresa visual mais encantadora que a anterior. De repente o tio anunciou aos parentes urbanos, "vocês pensavam que só existia praia deserta na beira do mar? Pois vejam o que temos pela frente", e a esquina amazônica descortinou uma visão quase inacreditável: uma grande praia quase redonda de areia fina e tremendamente branca, cercada por grandes árvores cerradas por todos os lados, como se fosse uma clareira, dotada de uma lindíssima cerca natural.

O barco aportou, o cara saltou correndo para sentir aquela areia de sonho entre seus dedos. Todos saíram e pisaram na praia como se estivessem conquistando um planeta inexplorado e virgem, totalmente hipnotizados pela beleza do lugar. O cara conseguiu vislumbrar um pássaro alçando vôo de um ponto distante da praia e correu até lá. De longe ouviu o tio gritar alguma coisa. Era um ninho, com alguns ovos inteiros e uns filhotes ainda de olhos fechados. Com mais agilidade do que o cara, a mãe que tinha levantado vôo atacou gritando tentando afugentar aquele intruso. No mesmo pique o cara voltou correndo e se aproximou a tempo de distinguir as palavras do tio: "... não se deve mexer num ninho com filhotes recém-nascidos, ainda mais com uma mãe preocupada por perto!"

Como o crepúsculo trazia a noite como companhia e o sol trocou de turno com a lua cheia, a turma fez uma pequena fogueira próxima ao barco e jantaram os restos do almoço, entre histórias incríveis que só os nativos da amazônia tinham vivenciado – por mais fantásticas que parecessem aos ouvidos de um urbanóide. Quando o sono chegou, a família foi se recolhendo aos poucos dentro do barco, já entrecortado de redes.

O cara, pleno com tanta aventura no mesmo dia, insistiu em dormir na praia. E ali, naquela areia branca e fina, como que saída de uma ampulheta divina, ele adormeceu feliz, olhando encantado aquele infinito de estrelas brilhantes que confirmavam as histórias mágicas de sua família e que anunciavam sonhos únicos e singulares, que o cara jamais poderia ter em qualquer cidade do mundo, sob as luzes artificiais dos homens.

 

13 comentários:

  1. Surreal!!! \o/
    consegui até visualizar a paisagem! :-)

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  2. Devia ser lnda mesmo, Erica! :-)

    E obrigado por ter inaugurado os comentários. Parece que ninguém mais aqui comenta nada. Visitar e ler eles fazem, mas comentar, dar o feedback que é bom, necas. :-(

    E sou eu que fico cego, perdido e sem referências, sem retorno algum... fico a ver navios...

    Beijo grande, menina!

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  3. Que delícia de viagem, Ozlo!

    bjuuuuuuuuuu!

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  4. Pelo menos o visual deve ter sido maravilhoso, Mana!!!

    Obrigado pela visita e pelo comentário!!! :-))

    Aliás, será que só as mulheres comentam por aqui?...

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  5. Que texto!!!!! Eu quero ir lá. Só tenho medo dos mosquitos. Piranha? bah.. sou copacabanense ;)))))

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  6. eu também!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    paz pro rio

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  7. será q é sobre sensibilidade sem perder a masculinidade?

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  8. Não creio, não acho que tenha algo a ver com masculinidade - até porque recebo muitos comentários de amigos. Porém me irrito em ver os mesmos rostos passeando por aqui e quase nunca deixando um comentário seguer sobre meus textos. Algumas (e algumas) estão sempre por aqui, só olhando, nunca comentando nada. É triste, lamentável. Feedback É FUNDAMENTAL!!!!!!!!!

    Beijos!

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  9. A mesmíssima coisa acontece na minha página. gosto, preciso e quero essa interação com escritores e músicos, mas poucos se manifestam. Tem os q vão sempre e não se manifestam nunca, a quem eu chamo de stalkers - kkkkk!.

    Tenha um ótimo dia, meu irmãozinho.

    Bjuuuuuuu.

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  10. Mais uma vez obrigadíssimo, Angela!!!

    E adorei o comentário sobre Copacabana, hehehehe!

    Beijão!

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  11. Muito bom, eu fiquei lendo e imaginando vc contando, como o fez no dia do seu aniversário!!!!

    Vc está cada dia melhor!!!!

    Bjins :)

    Lili

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  12. Oi, Lilian!!!!

    Ainda tem muitas crônicas do cara pra sair da cartola. Estou tentando selecionar primeiro as mais curtas, as mais "punch", como "O CARA E O TECLADO", enxutérrima e eficaz.

    O problema é que a maioria dos textos são mais longos e sei que muita gente não tem paciência de ler textos longos na internet.

    Beijão!!!

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  13. que lugar lindo!
    Cheguei a visualiza-lo.
    Um paraíso.
    O Cara é um sortudo mesmo.
    :))

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