O cara tinha marcado com Ivone, sua quarta namorada (mas que nem de longe subia ao pódio de suas três grandes musas, as três grandes mulheres da sua vida), de verem um filme na Cinemateca do MAM, no fim do aterro do Flamengo. Fazia parte do Festival Jacques Tati, um cineasta e ator francês de meados do século 20, que baseava seus filmes num humor poético, onde ele vivia o Monsieur Hulot, muito alto, magro e atrapalhado, sempre com um chapeuzinho estranho e um longo cachimbo, e que quase não falava.
O problema é que a sessão estava marcada para as oito da noite e já passava das sete e meia e o cara ainda estava em casa. Saindo do banho afobado, ele era mais enrolado para se arrumar do que qualquer mulher, quebrando vários estereótipos. Só que o cara não pegava três ou quatro roupas e ficava naquele infinito "ser ou não ser" das mulheres. Ele era simplesmente confuso e atrapalhado em vestir as calças, a camisa e os sapatos certos. Parecia o Monsieur Hulot.
Em seu uniforme casual e já suando por todos os poros, o cara pegou o metrô correndo antes que a porta fechasse como se sua vida dependesse disso. O braço esquerdo quase foi mordido pela porta e quase todos no vagão olharam curiosos para aquele sujeito estranho e engraçado que parecia saído de uma comédia muda. Uma dessas que se assiste na Cinemateca do MAM.
Cinco minutos o separavam da boca aberta do trem até a porta da Cinemateca, onde Ivone esperava ansiosa pelo namorado atrasado. O cara nem pensou duas vezes, o negócio era correr, correr muito! Subiu a escada para a superfície pulando a cada dois degraus. Aquela escada, direcionada para o aterro, era o lugar mais ermo e perigoso dos arredores do metrô da Cinelândia. No meio da escada havia um garoto maltrapilho que aparentava uns 13, 14 anos, que interpelou o cara. "Ô, mané, passa toda a grana que tu tem aí!", e o cara, sem pensar em nada a não ser na cara de mau-humor de Ivone, enfiou a mão no bolso, escavou o punhado de moedas variadas que tinha e depositou numa das mãos do garoto com cuidado, já que na outra ele segurava um objeto longo e brilhante. "‘Cê me desculpa, menino, mas isso é tudo o que eu tenho. Se eu pudesse te ajudava mais. Agora tô atrasadíssimo!" Atônito, sem entender nada da reação de sua mais recente vítima, o guri deixou cair algumas moedas no chão e gritou enraivecido "Porra, cara! Que sacanagem! Tu tá marcado comigo! Se passar aqui de novo vou te furar, seu abusado!"
Determinado em chegar na hora, o cara ignorou a passarela até o Museu de Arte Moderna e atravessou correndo as duas pistas de alta velocidade para ganhar tempo e chegar na hora. Porém quando alcançou o gramado em frente à entrada principal da Cinemateca, o cara se deu conta do que tinha acabado de acontecer: ele tinha sido assaltado. Viu Ivone de longe com um saco de pipocas na mão, pronta para dar-lhe uma bronca por chegar em cima da hora do filme. Mas parou de correr, não se conteve e começou a rir. Gargalhava sem parar pelo absurdo total da situação, se segurava nos joelhos, jogava a cabeça para trás, totalmente divertido com aquele assalto-relâmpago, que ele nem se deu conta de que tinha sido vítima.
Nem deu tempo de explicar nada a Ivone, que também ficou desconcertada. Os dois pularam para a sala escura com os letreiros do filme de Jacques Tati já subindo na tela e o cara sem conseguir conter seu riso frouxo, ecoando pela sala. Alguns espectadores ficaram felizes com a garantia de qualidade, pensando que se um cara já entra numa comédia às gargalhadas, o filme só pode ser bom mesmo! E de onde estava, o genial Monsieur Hulot agradecia o involuntário fã, seu semelhante carioca, quase tão atrapalhado quanto ele mesmo.
hahahaha
ResponderExcluireu sou toda atrapalhada também...:-D
são autobiográficos? :-)
ResponderExcluirNããããããããããoooooo!!!!!!!! De jeito nenhum!!!! :-P
ResponderExcluirSão mezzo-ficção, mezzo-peperonni... ;-)
Beijão!!!
surreal \o/
ResponderExcluirQue visão contemporânea e envolvente, que mistura bem temperada. Distrai as pessoas, diverte-as. Abraço!
ResponderExcluirBuster Keaton!
ResponderExcluirObrigado, Rodrigo! É sempre bom receber críticas construtivas!
ResponderExcluirGrande abraço!
Buster Keaton nunca ria.
ResponderExcluirO cara tá mais pra Harold Lloyd, o sujeito de oclinhos pendurado no relógio. ;-)
Mas eu prefiro Keaton. E Chaplin. E Tati.
E os Irmãos Marx.
Beijos marxistas!
Ahahhaha!
ResponderExcluirRoubou a cena né!
Sei bem como são estes assaltos cômicos huahua
:))