Um pouco antes de um desses festivais internacionais de cinema acontecer, a imprensa divulgou que o polêmico cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard viria ao Brasil. A maioria dos cinéfilos, alguns mesmo sem nunca ter visto um filme dele, sabiam que Godard tinha um jeito muito peculiar de fazer cinema, de revirar as entranhas da sétima arte, de mexer com o público, de encher o saco de alguns, de gozar da cara de outros, de fazer pouco do cinema convencional de começo, meio e fim, enfim, de fazer valer a velha expressão "ame-o ou odeie-o". Léo – fã entusiasmado e incondicional do tio Jean – mal continha sua empolgação e contou ao cara sua grande idéia: eles iriam seqüestrar Godard.
"Mas como assim, Léo? ‘Cê tá maluco? Isso dá cadeia, sabia?", foi a reação assustada do cara. Ainda mais por uma idéia daquelas ter vindo de um sujeito tão pacato, tímido e intelectual como o Léo. "Não, você não entendeu! A gente não vai fazer mal nenhum a ele, não vai pedir resgate, vai ser só por um dia, talvez dois!", e aí o cara ficou sem entender nada mesmo. A idéia maluca do Léo era interceptar o carro de Godard perto do aeroporto usando máscaras ou capuzes, com armas de brinquedo, jogá-lo num carro velho de algum amigo de amigo, levá-lo vendado até um casebre alugado numa região o mais erma possível da cidade, amarrá-lo numa cadeira diante de uma câmera de vídeo e fazê-lo falar. "Mas falar o que, seu tonto?", insistia o cara. "Você ainda não percebeu, cara? Vamos fazer a entrevista definitiva de Godard sobre o cinema! Garanto que ele mesmo vai adorar a nossa ousadia, a nossa iniciativa Dziga-Vertov!", e Léo delirava, sonhava acordado em estar diante de seu ídolo, fazendo uma série de perguntas sobre a forma de Godard fazer cinema e dele responder cada questão naturalmente, a despeito de estar amarrado numa cadeira desconfortável e sendo ameaçado por dois sujeitos encapuzados cujo conhecimento da língua francesa se limitava a abajour, croissant, fiancée e alguns tipos de queijos extravagantes.
Abrindo um raro e largo sorriso de entusiasmo, Léo disse "vamos fazer Godard dar a sua versão da História do cinema, cara! Nós vamos entrar pra História!", no que o cara rebateu "vamos entrar é em duas celas de cadeia ou em dois caixões, seu maluco! Seqüestrar uma celebridade internacional que com certeza vai chegar cercado de seguranças com armas de brinquedo??? Se você quer morrer, Léo, arruma um jeito mais simples!" E assim o cara foi fazendo seu amigo Léo lentamente aterrisar e botar os pés no chão, ao mostrar que aquela seria a empreitada mais doida e arriscada que eles poderiam realizar.
Acabou que Godard veio ao festival – cercado de um aparato de segurança, claro – mas por motivos de saúde, voltou para Paris bem antes do previsto, o que deixou Léo frustradíssimo. O cara desconfiava que mesmo tendo sido desencorajado do plano do seqüestro, seu amigo ainda guardava uma ponta de esperança em levar a cabo aquela insanidade.
Cerca de dois anos depois, o cara, Léo, Ricardo, Adriane, Josie e outros amigos entraram numa livraria grande dessas que têm de tudo e deram de cara com o livro "Uma História do Cinema Segundo Jean-Luc Godard". Léo se transfigurou e, enfurecido, começou a empurrar, bater e a xingar o cara aos berros em plena livraria. "Porra, ‘cê viu, seu cagão? Nós dois podíamos ter feito isso antes de todo mundo, até dele mesmo!!!" Os amigos, atônitos, não entenderam nada.
Na farmácia mais próxima, enquanto a turma do deixa disso agia e o cara recebia uns curativos, Josie ainda comentou "puxa, logo o Léo que é tão calminho e tão centrado!"
Nossa...adorei o texto, Oz...Ele tem o mesmo mote de "O Rei da comédia' do Scorsese, mas com intuitos mais cinefilos! Como surgiu o texto?
ResponderExcluirObrigado, Vebis. Esse e todos os meus textos com "o cara" são mezzo-ficção, mezzo-realidade.
ResponderExcluirFaço que nem o velho John Hammond em "Jurassic Park", pego o DNA dos dinossauros e preencho as lacunas com DNA de rãs africanas. Isto é, pego fatos verídicos - por mais bizarros, estranhos e engraçados que possam parecer - e completo as lacunas de falta de memória com pura ficção.
Existem personagens reais, outros mezzo-reais, e ainda outros totalmente ficcionais. E todas as histórias partem de fatos 100% verídicos. Parafraseando Jorge Furtado em "Ilha das Flores", o resto é mentira. :-)
Te confundi com toda essa explicação? ÓTIMO!!! Era essa mesma a intenção. ;-)P
Abraços! E não deixe de ler as outras aventuras dO CARA!!!!!! ;-))
Huahuahua adorei!
ResponderExcluirFiquei imaginando como seria o "interrogatório".
--Abajour!!!
_Abajoour!
:))
O pior é que eu tenho quase certeza de que o Godard ia adorar esse tipo de coisa!... :-)
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