domingo, 15 de julho de 2007

O CARA E A GROSELHA NATURAL

Mesa de bar. Papo vai, papo vem, e depois de navegar por vários afluentes, a turma desembocou no caudaloso rio principal comum a todos: as velharias pop dos anos 60, 70 e 80. Entre uma selva de garrafas de cerveja e clareiras de bandejinhas de batatas fritas e provolones à milanesa, a Júlia, o Augusto, a Cíntia, o Ricardo, a Adriane, o Edson, a Josie e a Fabiana levantaram uma questão crucial: será que só existia refresco de groselha artificial? A maioria ali só conhecia a lendária Groselha Milani, enquanto os mais novos mal lembravam das marcas recentes, bem menos cotadas.

No fundo da mesa, encostado num canto e bebericando seu Jack Daniels, o cara observava caladão o debate dos amigos. A maioria estava convencida de que groselha era algo tão artificial quanto os saudosos Drops Dulcora ou os cults Hall’s extra-forte. Porém Ricardo, Adriane e Fabiana tinham certeza que groselha era uma pequena frutinha vermelha, parecida com açaí ou café, mas nunca tinham provado um refresco natural dela. Júlia, a mais convicta de suas crenças, lançou "eu pago 100 reais pra quem me provar que refresco de groselha natural existe de verdade!", o que foi rebatida pelo Augusto que de um jeito sonso perguntou "esses 100 reais seriam em dinheiro ou cheque?"

"Não vejo a menor graça nisso. Parece até que estamos discutindo sobre discos voadores! Groselhas existem, acreditem!", exclamou Adriane. Fã de "Arquivo X" e infame como sempre, Josie não conteve um "eu quero acreditar", que perdeu seu duplo sentido no meio da balbúrdia de vozes do bar. Na sombra, o cara puxou um Alonso Menendez corona do bolso e continuava a prestar atenção na conversa, saborendo o aroma do charuto apagado. Por mais surreal que pudesse parecer, o assunto da groselha natural acirrou os ânimos do pessoal a ponto da Júlia botar o dedo na cara do Ricardo e da Fabiana gritar com o Edson, ameaçando a diplomacia e os afetos na mesa.

A guerrilha verbal cessou de repente quando o rosto do cara se iluminou com o súbito clarão de fogo. Ele riscara dois fósforos para acender seu charuto. Ninguém ali fumava, a não ser o cara, que adorava charutos mas detestava cigarros. Diante do silêncio inesperado ele começou: "Todo mundo aqui me conhece e sabe que eu não minto. E também conhecem meu pai e sabem como ele é sério em tudo o que faz. Eu também pensava como vocês (disse apontando para os descrentes) até que um dia, no início da década de 80 eu acho, meu pai chegou das compras carregado de sacolas – naquele tempo ainda eram de papel – e tirou de dentro de uma delas uma garrafa de vidro de um litro. Pela cor eu pensei que fosse suco de uva ou vinho. Ele anunciou a todos – como se fosse a última ceia – que aquilo que ele tinhas nas mãos era xarope de groselha natural, importada da Itália. Pela primeira vez eu vislumbrei algo que eu também sempre acreditei só existir de forma artificial. Minha mãe, que não deixava nenhum suco ou refresco industrializado entrar em casa (com exceção da groselha artificial) estava deslumbrada e parecia uma beata diante do Papa. Meu pai abriu a garrafa com a precisão de um cirurgião e a reverência de um sacerdote e serviu o xarope para toda a família. Eu peguei água na geladeira para provarmos a santa bebida. Eu garanto a todos aqui nesta mesa de que no rótulo daquela garrafa estava escrito ‘groselha natural, produto importado da Itália’, e que ainda tinha um ‘made in Italy’ no fundo. Posso viver 500 anos e jamais vou esquecer do sabor daquele refresco. Não se parecia em nada com essas groselhas artificiais que a gente estava acostumado a beber, pessoal. O gosto lembrava framboesa, amora, uva, e não era nada disso. Era único. E dava pra sentir que não existia nada de artificial naquilo. Era um líquido dos deuses. Deveria ser a versão não-alcoólica do melhor vinho do mundo. É, amigos... vocês podem brigar à vontade, por a amizade de vocês em risco se quiserem... mas eu sei que xarope de groselha 100% natural existe sim, e fui testemunha ‘paladar’ disso. Quem me dera achar de novo uma garrafa daquelas!"

Dito isso em tom solene, o cara se levantou diante dos olhares emudecidos e respeitosos da turma, deu uma baforada, pediu a Fabiana para pedir outro Jack Daniels ao garçom e anunciou que precisava ao banheiro. Enquanto o rastro da fumaça do corona atravessava o bar em direção ao lavabo, entre crentes e céticos quase todo mundo na mesa salivava, planejando a próxima vez em que iriam numa casa de bebidas importadas.

 

11 comentários:

  1. Bem, já que ninguém comentou este conto, que considero o melhor dos três que escrevi no mesmo dia (junto com os dois seguintes), quero dizer que fiz uma homenagem velada a uma famosa cena do filme da minha vida, "Tubarão" (1975), de Steven Spielberg. Logo no início, quando o garoto é morto na praia, toda a cidade se junta na prefeitura para decidir o que fazer a respeito. E do fundo da sala o pescador Quint (o magnífico e saudoso Robert Shaw) chama a atenção de todos arranhando o quadro negro com as unhas e faz um pequeno discurso sobre o tubarão. Foi essa mesma estrutura narrativa que busquei repetir aqui, em O CARA E A GROSELHA NATURAL.

    E também porque, após décadas, achei uma garrafa de groselha natural num supermercado perto de casa.

    Lamento que ninguém tenha comentado nada a respeito desta crônica em particular, que eu particularmente adorei ter escrito e adoro reler, mas sei que muita coisa que a gente publica aqui - por mais que nos orgulhemos e nos afeiçoemos a elas - nunca são comentadas.

    Abraços a todos.

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  2. me lembrou de uma garota q disse q o professor dela afirmou categoricamente q baunilha não existe, só vanilla, e que vanilla é um produto artificial. o poubrema é q foi há pouco tempo = a ignorância é ópio dos caretas. e ó, era escola boa.

    well, that's a shame.

    tinha nojo de groselha quando pequena. red bull, que é cor de rosa, não tomo nem a cacete - hehehe.

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  3. PARABÉNS!!!!!!! Você foi a primeira e única pessoa a comentar essa crônica, uma das que mais gostei de escrever!!!!! Você ganhou uma caixa de Yakults vencidos em maio de 1973!!!!!! :-))

    Eita professorzinho "bom" esse, hein? Quando não sabe, é melhor assumir sua ignorância sobre um assunto do que dizer besteira. Eu como professor sempre assumo minhas ignorâncias.

    Nunca provei nem nunca vi a cara de Red Bull nem de nenhum desses energizantes. Meu negócio é guaraná em pó mesmo. Sou das antigas, não tenho nada de "muderno". :-P

    E sempre gostei de groselha, mesmo da artificial. E não resisti em comprar o xarope de groselha natural que achei no supermercado semana passada! MMMMMMMM!!! Coisa boa!!! Gosto de infância!!!! :-)P

    Beijos!

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  4. Uepa! Comassim ninguem comenta?
    Eu ja vinha a caminho né.
    Mas sabe o que isso me lembrou.
    O gosto inconfundivel de uma Grapette,
    Hummmmmmm. Nunca mais encontrei uma.
    :))

    Adorei a cena e sabia que era familiar. Claro!!!
    Tubarão!

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  5. Agora, sim.

    Grapette. O desenho da garrafa, cheiro, cor.

    N'outra noite lvei umas Grapettes prum lugar onde tinha uma malucada - correndo o risco de ser o pior de george cant.stand.ya. E a malucada adorou. Malucada gosta mais disso q de álcool, sabe como é (rsrsrs).

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  6. Existe sim, Anja.O que sumiu, infelizmente, foi o Crush, que eu também adorava.

    Tenho uma garrafa de Crush e outra de Grapette cheias na estante da sala. :-)

    Beijo

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  7. Amigos, groselha natural existe sim. Tenho a fruteira dela no meu sítio em Itaboraí e ela não é vermelha. Frutifica como a jaboticaba, diretamente no tronco e galhos em cachos. A fruta madura é fracamente amarelada, azeda e parece-se na forma e tamanho com a pitanga, com pequenos gomos. A constituição do tronco e galhos parece-se com o do cajaeiro, assim como as folhas. Meu tel é (21) 2424-2116- Jacarepaguá-Rio de Janeiro. Meu E-mail- celio41werneck@gmail.com. Um abraço a todos.

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  8. Bem eu tenho certeza que existe porque, quando morava em sampa nos anos 90 eu comprava direto no Pão de Açucar. A marca da dita cuja é Naturabela e tem, além do xarope natural de groselha, xarope de outras frutas.
    Atualmente morando em Santos to procurando feito um desgraçado mas ainda não achei. No site do Pão de Açucar e também no do fabricante dizem que está a venda nas lojas. To esperando o Pão de Açucar me informar em qual loja...

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  9. Há uns 20 anos atrás existia o xarope de groselha Naturabella. Era de groselhas naturais e delicioso. Eu comprava habitualmente para fazer refresco, que delícia!! Já era, não existe mais, cansei de buscar. Agorá só existe xarope de produto químico. Um horror, não chega aos pés da querida Naturabella.

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  10. Eu também comprava Naturabella no Pão de Açúcar. A groselha sumiu. Há uns anos atrás me informaram que uma fábrica de groselha artificial comprou para tirar do mercado. Não me lembro quem foi o fabricante que fez isso, infelizmente.

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