Antes de mais nada, nem sou fã do Artur Xexéo. Mas depois de ler os ataques na última coluna dele, não dá pra não se sentir indignado com os que o atacam. Segue a coluna:
"Fãs de Leonardo unidos jamais serão vencidos
(Publicado em 30 de março de 2005)
A nota era pequenininha, publicada no fim da coluna de quarta-feira passada. Para que vocês entendam melhor o que aconteceu, deixo aqui sua reprodução literal:
“Mais coisas que incomodam em ‘América’: a versão sertaneja para ‘Nervos de aço’ que faz parte da trilha sonora. Se Glória Perez precisar de um gancho, aqui vai uma sugestão: quem assassinou Lupicínio Rodrigues?”
O primeiro e-mail (de Paula Faria) que chegou foi mais do que esclarecedor:
“Gostaria de informar que a maravilhosa e inigualável voz que interpreta divinamente a canção ‘Nervos de aço’ na novela ‘América’ pertence ao atual maior vendedor de CDs desse país (a propósito, o senhor conhece esse país? Sabe quem faz parte da verdadeira MPB? Sabe o que representam as vozes de Leonardo e seu, infelizmente, falecido irmão para esse país?). Se o senhor não sabe quem emprestou sua emocionante voz a uma música já esquecida no cenário musical do Brasil tornando-a sucesso absoluto, devo informar-lhe que o dono da brilhante voz é Leonardo, uma pessoa que é verdadeiramente brasileira, ama seu país e seu povo e que nasceu com uma voz abençoada (Me diga uma coisa, o senhor é mesmo brasileiro?).”
Nem tive tempo para assimilar as questões levantadas pela leitora sobre a voz inigualável, emocionante e brilhante de Leonardo. Quando pensava nisso, chegou outro e-mail, este de Larissa Nascimento:
“Meu caro, concordo que cada um tenha seu gênero de música preferido. Porém, ofender um cantor do gabarito de Leonardo não é para qualquer chinelo, não, tá ? Caso você ainda não saiba, Leonardo é um dos maiores vendedores de discos dos últimos tempos.”
O e-mail de Larissa se encerrava com uma citação de Mário Quintana:
“O segredo não é correr atrás das borboletas.../ É cuidar dos jardins para que elas venham até você.”
Com o auxílio do Google, descobri que essa história das borboletas é uma das frases preferidas dos blogs que andam por aí. Há 111 diferentes que fazem referência à citação!
Mas também não pude me dedicar a Mário Quintana. De repente, chegaram mais três e-mails. De uma vez só. Como ilustração, seleciono o de Ana Paula dos Santos Boim:
“Venho através deste mostrar a minha indignação pelo comentário muito maldoso que fizeram com o nosso saudoso Leonardo. Comentários maldosos são desnecessários e, além de tudo, são só para vender jornal. Acho que vocês não precisam disso. E não se esqueçam que um dia vocês podem precisar de uma entrevista do Leo e o mesmo pode recusar.”
Confesso que este me impressionou até mais do que os outros. Saudoso Leonardo? Será que eu perdi algum capítulo? Isso é fã que se apresente? Não sei, não, mas acho que Leo não vai gostar.
E chegaram mais nove e-mails. Também de uma vez só:
“Só podia ser do Rio mesmo”, escreveu Gabi Castro. “Será que você não tem mais no que falar nesse estadinho aí? Fala do problema social do país, idiota. Ainda bem que o Leonardo não precisa de você. Mas você precisa dele para botar comida na sua casa. Acho que você não entende de música, né ?”
Humm... A barra estava ficando pesada. Não deu mais para contar. Era um e-mail atrás do outro. Como o de Rosane Souza:
“Pobre imprensa brasileira que tem num de seus mais representativos jornais um colunista desse naipe. Que você prefira musiquinhas xexeolentas e intelectualóides, fazer o quê?” Comecei a deletar sem ler o conteúdo das mensagens depois de receber uma acusação anônima: “Imbecil, certamente quem assassinou o Lupicínio Rodrigues foi a sua mãe”.
Nossa, nem parece texto do fã de um cantor com voz tão inigualável, emocionante e brilhante.
Mas será que todos os leitores da coluna são fãs de Leonardo? Comecei até a desconfiar que todos os fãs de Leonardo são leitores do GLOBO. Até chegar o e-mail de um espião que descobriu o segredo do movimento pró-Leonardo na própria internet. Está lá, espalhada por um dos fãs-clubes do cantor a seguinte mensagem:
“Isso é uma ofensa ao nosso maior ídolo. Manifestem suas indignações mandando e-mails de repúdio para ele.” Ele, no caso, é este locutor que vos fala. “Fãs unidos pelo nosso ídolo enviem para todos os seus contatos e vamos à luta. Não podemos engolir tamanho desaforo.”
Tudo explicado. É assim como um e-mail voando sem rumo, pedindo para que todos vistam preto em protesto contra essa coisa toda que está aí. Só que, desta vez, a orientação era que se dirigissem à minha coluna repudiando a nota que criticava a melosa interpretação de Leonardo para um clássico do samba-canção. Entrego os pontos. Quero ter minha caixa postal vazia outra vez. Juro que vou prestar atenção na voz inigualável do saudoso Leo. Não sou capaz de brigar com um fã à beira de um ataque de nervos. Mas, por favor, só não peçam para que eu ouça “Nervos de aço” outra vez na versão do cantor sertanejo. É de matar."
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Para quem diz que Leonardo é um dos maiores vendedores de discos dos últimos tempos, creio que as palavras de Woody Allen em "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (1977) são perfeitas: "Popular? Nixon era popular. Bambolês eram populares. Uma epidemia de tifo é popular. Quantidade não significa qualidade."
Para quem diz que o comentário mordaz do Xexéo sobre a "abençoada voz" do cantor Leonardo só podia ser do "Estadinho" do Rio mesmo, só digo que a MPB se mediocrizou de forma ímpar quando do crescimento das duplas "sertanejas" do interior de São Paulo, das bandas de axé music da Bahia e dos grupos de pagode romântico do Rio de Janeiro - que é um Estado muito digno e honrado como qualquer um do nosso país, mas que também faz muita música ruim, assim como todos os outros. E mil vivas a Adoniran Barbosa, queridíssimo paulistano do Bexiga, talentoso como nenhuma dupla "sertaneja" surgida de 1980 para cá poderia sonhar.
Ah! E só pra lembrar, mais uma coisa: posso estar errado, pois não sou especialista no assunto, mas que eu saiba, o conceito legítimo de "música sertaneja" é a música nordestina, que vem do sertão brasileiro, e não feita nos rodeios do interior de SP, Mato Grosso e Goiás. Para mim música sertaneja de verdade - e de grande qualidade - é Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca, Jackson do Pandeiro, Humberto Teixeira, Patativa do Assaré, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Moraes Moreira, entre outros grandes nomes da MPB.
E para quem ainda diz que os nostálgicos não têm razão, eu só digo que nos anos 60, 70 e 80 as rádios tocavam Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Maria Bethânia, Gal Costa, Gilberto Gil, Rita Lee, Raul Seixas, Tom Jobim, Elis Regina, Tim Maia, Jorge Ben e muitos outros nomes de talento real. E toda essa gente boa era a nossa MPB. Hoje, infelizmente eu não sei mais o que significa essa sigla. Quer dizer, sei: são os grandes compositores, intérpretes e músicos que as rádios não tocam e que não aparecem no Programa do Faustão. E que fazem uma imensa falta aos nossos sofridos ouvidos, que há décadas estão infestados de sertanOjos, axés, "fanks" e grupos de pagode romântico.