sábado, 30 de junho de 2007

O CARA E A JAQUETA JEANS

Chris era paulista e uma das melhores amigas do cara. Ela sempre dizia que ele iria adorar a Feira da Benedito Calixto, arqueólogo pop que era. E quando ela veio ao Rio, na primeira oportunidade que teve, ele a carregou para o equivalente carioca (mais humilde e democrática, verdade seja dita), a Feira da Praça XV. Sábado de manhã, o cara, Chris, Armando, Luísa e Igor se equilibravam entre as ofertas mais diversas do planeta, espalhadas debaixo do viaduto da perimetral.

Para o cara, que montava maquetes e dioramas, a feira era um grande exercício de imaginação. Uma engrenagem de relógio poderia se transformar no motor de algum navio enquanto um brinquedo de bebês podia virar uma máquina de torturar robôs. Igor, que namorava Chris, fazia suas comparações com a Benedito Calixto, que era mais chique e tinha raridades mais caras. Armando e Luísa estavam mais ali de curtição, para ver a luz do sol, let the sunshine in.

De repente, Chris se entusiasma com uma jaqueta jeans que avista no meio de uma maçaroca de roupas velhas. Realmente era uma jaqueta diferente, fora de moda, e justamente por isso bonita e especial. Estava coberta de lama, encrustada em todas as dobras. "Quanto custa essa jaqueta, moço?", perguntou a paulisssta. "São três real, moça", mas vendo a expressão de espanto da menina de olhos verdes brilhantes e arregalados, o mercador completa, "mas posso fazer por dois real, se a senhora achar caro."

Todos se entreolharam espantadíssimos, Chris puxou duas notas, entregou ao moço, pegou uma sacola de supermercado com a jaqueta suja dentro e saiu feliz da vida. "Na minha máquina de lavar essa jaqueta não entra!", decretou o cara.

Depois de um tratamento "stone-washed" no tanque do cara, Chris voltou pra Sampa com um sorrisão no rosto e embrulhada na jaqueta previamente amaciada. Igor teve que concordar que nunca achariam uma oferta dessas na Feira da Benedito Calixto, por melhor que ela fosse.

 

O CARA E A VOLTA PARA CASA

O vôo de Salvador para o Rio de Janeiro estava marcado para às 18 horas. O ônibus de Lençóis para a capital partia ao meio-dia e a viagem durava cerca de cinco horas. Como era o único transporte público local – trocando em miúdos, sua única chance de chegar a Salvador –, o cara nem deu ouvidos aos comentários dos colegas de viagem que o acompanharam até o Poço Encantado, no dia anterior. "Tu é louco, cara! Pegar um ônibus com o tempo certo pra chegar no aeroporto... ainda mais com essas estradas! Tu vai acabar perdendo o avião!", e ele nem ligava.

Às onze horas o cara analisava o cardápio minuciosamente, tentando escolher algo tipicamente baiano e ao mesmo tempo familiar para comer. Resumindo, o carioca queria algo que não existia: um híbrido alimentar. Sentado num canto sombreado do restaurante, ele admirava a luz do sol entrando no recinto e iluminando apenas alguns móveis, paredes, plantas, a poeira nordestina dançando no ar o fascinava. Cansado dos dois dias que mais pareceram duas semanas, o cara decidiu por um filé de peixe ao molho de camarão, com purê de batatas e uma saladinha verde, tudo "à moda da casa". Peixe, purê e salada eram leves e saudáveis, e deveriam servir para agüentar cinco horas dentro de um ônibus calorento. O problema é que ele desconhecia totalmente as intenções dos camarões do molho e o significado da expressão "à moda da casa" naquele restaurante.

Barriga cheia, passagem de busão na mão, mochila nas costas e o indefectível chapéu de feltro na cabeça, o cara embarcou naquele velho ônibus para uma viagem inesquecível até Salvador, cidade de nome bastante sugestivo naquele caso. Acomodou-se na poltrona levemente reclinável, atochou os fones no ouvido, ligou o discman, escolheu Luiz Gonzaga para acompanhar-lhe na viagem e relaxou. "Vai, boiadeiro, que a tarde já vem... leva o teu gado e vai pensando no teu bem..."

Não demorou muito para o ônibus começar a se mexer e pegar a estrada em direção ao litoral. O cara estava tão chapado com as aventuras na chapada e com o farto almoço que parecia organicamente integrado àquela poltrona velha. "Ai, ai, que bom, que bom que é, uma estrada e a lua branca no sertão de Canindé..." e o sono chegando. E com cinco horas pela frente, não custou pro Gonzagão convencer o cara a dar uma passeada pela Terra dos Sonhos. Lá ele dançou no Forró de Mané Vito, agarrando a moça de cintura fina, também a que só qué, só pensa em namorá, deu um giro na Feira de Caruaru, aprendeu o ABC do sertão, singrou pelo riacho do navio no Rio São Francisco até bater no meio do mar...

E enquanto sonhava com o sertão do velho Lua, o cara acordou com os solavancos do ônibus sobre a estrada federal mais esburacada do planeta. Aquela via, apesar de responsabilidade da Federação, nunca tinha sido apresentada ao asfalto. Era terra pura com mais buracos que um queijo suíço. E um dos passageiros próximos avisou: "Ih, essa buraqueira vai até quase Salvador! É um inferno!"

Se fosse só isso o cara continuaria passeando com o Luiz Gonzaga, mesmo acordado. Porém uma rebelião silenciosa (a do pior tipo) acontecia em seu estômago e intestino. Os camarões do molho do almoço se juntaram ao peixe que nadava contra as águas do riacho do navio e armaram um motim. Ouvindo Lua cantar "tem carça de alvorada que é pra matuto não andá nu", o cara arregalou os olhos e temeu por sua cueca limpa. Largou a mochila e o discman e tentando se equilibrar entre as velhas poltronas, alcançou o minúsculo banheiro do ônibus e se trancou lá dentro, antes que seu esfíncter destrancasse de vez. Rapidamente, como se sua vida dependesse disso, arriou as calças de pano e a cueca samba-canção e nem pensou em forrar a tábua com papel toalha. A comporta da hidrelétrica se abriu e o almoço "saudável" do restaurante de Lençóis foi parar na privada metálica do veículo. Os camarões revoltosos saíam como guerreiros ensandecidos, liderados pelo peixe do riacho do navio, tudo em estado líquido. O cara se segurava nas paredes, o suor lhe cobria a testa, enquanto a buraqueira da estrada de terra se encarregou de transformar uma viagem de ônibus numa tempestade em alto mar. Quando os duros amortecedores traseiros se encontravam com a estrada, parecia que o cara estava montado num touro de rodeio enfurecido, porém com uma cobertura indesejável. Desesperado, o cara abriu toda a janela, pôs a cabeça pra fora e não conteve o grito óbvio: "QUE MEEEEEEEERDA!"

Seria cômico, se não fosse trágico. Mas no fim, entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Principalmente as calças e a cueca do cara, que milagrosamente escaparam ilesas à catástrofe gástrica. Ele jogou uma água no rosto cansado, molhou os cabelos para espantar o calor e saiu do banheiro. Foi-se sentar em seu lugar, ainda combalido com a revolta dos camarões baianos. Por precaução, pulou a faixa "Piriri" do CD, apesar do Gonzagão só falar "como é bom São João na roça."

E o rei do baião confessava: "Minha vida é andar por esse país, pra ver se um dia descanso feliz, guardando recordações das terras onde passei, andando pelos sertões e dos amigos que lá deixei", e a viagem seguia tranqüila e feliz, após o desarranjo inesperado.

Ao notar que o sol era cada vez mais atraído pelo horizonte nordestino, o cara se apercebeu de que estava no limite de tempo para chegar no aeroporto. Começou a ficar preocupado, principalmente porque há anos eles não usava relógio. Levantou-se e foi galgando o corredor do ônibus até chegar perto do motorista. "Moço, que horas o senhor acha que a gente chega na rodoviária?", "Se avexe não, moço, umas cinco horas no máximo a gente está lá!", acalmou o piloto. O cara voltou um pouco mais tranqüilo para o seu lugar.

Aproximando-se de Salvador, o ônibus se encaixou no fim de um engarrafamento imenso e preguiçoso. A velocidade passou de 70 para 15 km por hora, enquanto os batimentos cardíacos do cara iam de 80 para 140 por minuto. Ele olhava o pescoço do motorista e ainda cogitava se valia a pena apertá-lo para que o veículo disparasse até seu destino final. Mas como desesperar não adiantava nada, o bólido enfim alcançou a rodoviária em passos de cágado.

Apesar de tudo, o relógio público marcava 17:15hs. Era hora do cara virar super-herói. Pulou no primeiro táxi vazio que encontrou e anunciou, como num filme de ação, "aeroporto, o mais rápido que você puder!" Pelo visto o taxista tinha visto o mesmo filme, pois nem precisou de explicações para pisar fundo no acelerador. Feliz como se tivesse esperado a vida inteira por um passageiro apressado como aquele, o motorista explicou o trajeto ao cara, dizendo que ia cortar caminho por aqui e acolá, e que assim que passassem por um trevo coberto de pinheirinhos, como se fosse um túnel natural, eles estariam muito próximos do aeroporto. O cara, de estômago vazio, engolia em seco e só pensava se daria tempo de fazer o check-in e pegar seu avião até às seis. "Ô, carioca, te aquieta que comigo tu chega lá num átimo!", disse o baiano arretado.

O túnel de pinheirinhos os cobriu e em segundos o táxi freou, o cara pagou e saiu correndo com a mochila nas costas na direção do balcão de check-in da empresa aérea. Faltando 20 minutos para as seis ele conseguiu relaxar. Agora era só esperar a chamada do vôo. Gonzagão voltou a animar o cara no discman cantando "tá é danado de bom, tá danado de bom, meu cumpade, tá é danado de bom, forrozinho, bonitinho, gostosinho, safadinho, danado de bom." Finalmente relaxado após toda aquela correria bem sucedida, o cara sorria feliz da vida.

Olhou pro relógio do aeroporto e viu que só faltavam cinco minutos pras seis. Por que será que ainda não chamaram pra sala de espera? Decidiu ir mesmo assim, seguindo o bilhete e as indicações nas placas. Entrou e notou que o salão de espera estava vazio. Foi perguntar à comissária que recebe os bilhetes aonde estava o seu vôo. "É aquele avião ali, taxiando na pista... o senhor não ouviu a chamada?"

Alucinado, o cara se atirou na porta de vidro, com esperanças de que pudesse atravessá-la, correr atrás do avião em movimento, se agarrar no trem de pouso e seguir viagem assim mesmo. Tudo em vão, claro. "Eu não tenho mais dinheiro pra pegar outro vôo! Como eu vou fazer pra sair daqui? Pelo amor de Deus, alguém pode me ajudar?", isso tudo aos berros, descontrolado. A comissária o acalmou, o levou para a sala vip e disse que ele embarcaria no avião seguinte para o Rio, que partiria uma hora e meia depois. Mais calmo, o cara lembrou que tinha tudo calculado para chegar no aeroporto internacional do Rio antes do ônibus frescão terminar seu turno do dia, às nove da noite. Que se dane! No Rio ele daria um jeito! E foi fazer uma refeição reforçada numa lanchonete moderna do aeroporto de Salvador. Sem camarões suspeitos, por favor.

Já no Rio, no saguão de desembarque, ainda pensando na falta de ônibus, o cara esbarrou com um sujeito estranho que tinha estudado no mesmo colégio que ele em outra série, e de quem todos zombavam. Por mais que tentasse não lembrava o nome dele. "E aí, rapaz! Você por aqui? Tá vindo de onde? Alguém vem te pegar? Tá de carro? Não sabia que você dirigia, que legal! O carro tá cheio? Será que cabe mais um?"

Com a mochila no colo, espremido entre dois parentes sisudos do ex-colega de colégio semi-desconhecido, o cara desembarcou com educados salamaleques pré-fabricados na frente do seu prédio. Chave na porta, mochila jogada no sofá, o cara se atirou na cama, ainda com resquícios de poeira baiana nas calças. Banho, só no dia seguinte. O mais importante é que ele tinha chegado são e salvo. O cara tinha sobrevivido a mais uma.

 

sexta-feira, 29 de junho de 2007

The Big Wazowski = The Big Lebowski + Monsters Inc.




Perfeita essa fusão entre "O Grande Lebowski" com "Monstros S.A.", principalmente porque John Goodman e Steve Buscemi estão em ambos os filmes. As imagens são do desenho da Disney/Pixar e os diálogos são todos do filme dos irmãos Joel e Ethan Coen, com direito a uma imagem de "Fargo", dos dois, quase no fim do trailer.

"Wazowski no, sir! I'm the dude, man!"

terça-feira, 26 de junho de 2007

“A Man Of Constant Sorrow”




“A MAN OF CONSTANT SORROW”
(Com os Soggy Bottom Boys)


(In constant sorrow through his days.)

I am a man of constant sorrow,
I've seen trouble all my day.
I bid farewell to old Kentucky,
The place where I was born and raised.
(The place where he was born and raised)

For six long years I've been in trouble,
No pleasures here on earth I found.
For in this world I'm bound to ramble,
I have no friends to help me now.
(He has no friends to help him now)

For I'm bound to ride that northern railroad,
Perhaps I'll die upon this train.
(Perhaps he'll die upon this train)

Maybe your friends think I'm just a stranger
My face, you'll never see no more.
But there is one promise that is given
I'll meet you on God's golden shore.
(He'll meet you on God's golden shore)

* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

(George Clooney liderando, John Turturro & Tim Blake Nelson nos backing vocals e Chris Thomas King na guitarra. Clipe do filme "E AÍ, MEU IRMÃO, CADÊ VOCÊ?", de Joel e Ethan Coen, de 2000)

Jesus Quintana em "O Grande Lebowski"




Uma perfeita apresentação de personagem, Jesus Quintana, um jogador de boliche freak, talentoso, desbocado e pervertido, brilhantemente interpretado por John Turturro. Poucas palavras, movimentos lentos, uma caracterização bizarra, uma interpretação soberba. Um ator excepcional no meio de um elenco de primeira. Na cena, além de Turturro, Jeff Bridges (Jeffrey Lebowski, ou melhor, "the dude"), Steve Buscemi (Donny Kerabatsos) e John Goodman (Walter Sobchak).

Legenda...
The Dude: Fuckin' Quintana... that creep can roll, man.
Walter Sobchak: Yeah, but he's a pervert, Dude.

domingo, 24 de junho de 2007

O CARA E A AVENTURA NA CHAPADA

O cara era louco para conhecer a Chapada Diamantina e tinha terminado um trabalho de uma semana em Ilhéus. Seu bolso lhe disse que ele estava liberado para passar dois dias em Lençóis. O cara desembarcou do ônibus se sentindo um personagem misto de Guimarães Rosa e Sérgio Leone. Com um chapéu de feltro marrom enfiado na cabeça e a barra da calça comendo a poeira quente das ruas, aquele forasteiro não ansiava por um duelo ao sol e sim por conhecer o máximo das belezas naturais da região no mínimo de tempo possível.

Em Salvador conseguiu o endereço de uma simpática pousada na beira do rio de Lençóis e logo estava tirando a mochila dos ombros e espichando as costas numa cama rústica porém confortável. O lugar até podia ser simples mas a vista que o cara tinha da janela do quarto era deslumbrante! Entre árvores de pintura, debruçado sobre a sonoridade repousante do rio, os grande morros ao longe, a luz do dia entrava ali de maneira suave, como se pedisse licença.

A água do banho mal tinha evaporado do seu corpo e o cara já estava de novo nas ruas, procurando uma agência de turismo que alimentasse sua fome de aventuras. A placa numa porta o atraiu, ele entrou. As velhas tábuas de madeira rangeram sob seus pés, o que fez com que os olhos do agente se desviassem dos cheques e faturas dos cartões de crédito e fossem pousar no jovial forasteiro de cabelos molhados. "Mas hoje é segunda-feira, dia morto pro turismo! O pessoal foi todo embora ontem!" O cara acabara de perceber que os dois dias de folga que seu bolso lhe dera eram segunda e terça, dois dias tão agitados para o turismo de Lençóis quanto é um domingo de tarde no Centro do Rio de Janeiro. Mesmo assim ele conseguiu um acordo com o agente. "Eu preciso resolver uns negócios em Mucugê, tenho que passar pelo Morro do Pai Inácio. Te deixo ali e na volta, umas duas horas depois, te pego, ok?" Era o melhor que ele podia conseguir, ainda mais levando-se em conta de que ia sair por menos da metade do preço normal.

Uma hora e meia depois, com um modesto porém honesto café da manhã no estômago, a mochila nas costas e seu estimado chapéu de feltro na cabeça, o cara já estava sacolejando na velha veraneio, em direção ao coração da Chapada Diamantina. O agente, apesar de simpático, falava pouco e se limitava a responder às vorazes curiosidades geográficas e históricas do cara sobre a região. Já sabia ande ficava o Morrão, a Cachoeira da Fumaça, o Poço e a Cachoeira do Diabo, o rio Mucugezinho, e o famoso Poço Encantado, onde pretendia ir no dia seguinte com um grupo de turistas estrangeiros desgarrados como ele.

De repente, logo após uma curva, como Richard Dreyfuss avistando a Torre do Diabo pela primeira vez em "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", o cara tem a primeira visão do Morro do Pai Inácio, o ponto mais alto e símbolo da Chapada Diamantina. É uma visão maravilhosa, incrível. Finalmente ele estava lá, no coração da parte mais bela do sertão baiano. A veraneio passou por uma pousada solitária no meio do nada, fez uma curva fechada, deu a volta no morro e começou a subir. O agente explicou ao cara que ia deixá-lo no pé da trilha por onde seguem os turistas e monitores, que era uma subida simples, que não havia risco. Antes mesmo da poeira do carro baixar, o cara já ajeitava a mochila e ia seguindo as indicações do agente por onde seguir até chegar no topo do Pai Inácio. Cerca de duas horas depois ele seria resgatado na frente do bar da pousada, em frente ao morro, como combinado. Adiós amigo e lá foi ele barranco acima.

Com a endorfina e a adrenalina fluindo nas veias, o cara galgou a trilha de pedregulhos do morro como quem sobre a escada de um prédio, só que com um entusiasmo descomunal. Ele sabia que por mais simples e seguro fosse aquele caminho, nenhum turista se arriscava por ali sozinho, apenas com o auxílio de monitores experientes. Isso o deixava orgulhoso, feliz, intrépido. E lá estava ele, um Indiana Jones tropical improvisado, com o chapéu do herói, totalmente impróprio para aquela situação, fazendo sua cabeça suar em bicas. Rindo sozinho, ele tentava abarcar todos os aspectos da experiência. O Morro do Camelo às suas costas, a visão poderosa da região dos morros em volta, a configuração do próprio Morro do Pai Inácio, o lindo céu azul cheio de nuvens brancas sobre seu chapéu de aventureiro de cinema.

Quase no topo o cara pisou em duas pedras em falso e bambeou. Olhou para baixo e notou que entre as pedras haviam duas cobras, pequenas e coloridas, alternando as cores preta, vermelha e branca, em anéis. Abrindo uma gaveta em seu cérebro, ele consultou um livro de biologia e a velha enciclopédia "Os Bichos", que seu pai colecionou nas bancas para ele, e se lembrou que aquela espécie poderia ser a cobra-coral ou a falsa coral. A segunda, totalmente inofensiva, mas a primeira inexoravelmente letal. Ainda mais num lugar ermo como aquele, longe de qualquer fonte de soro anti-ofídico, seu destino seria óbvio e agonizante. Sem pensar muito, ele preferiu não perguntar aos répteis a qual espécie eles pertenciam e num raio, pulou para o topo do morro.

Lá estava ele, Zeus no Olimpo, ou melhor, o cara no ponto mais alto do Morro do Pai Inácio, dominando a sua tão almejada Chapada Diamantina. Esquadrinhando cada centímetro da vegetação do topo, vislumbrando a Chapada em 360º, programando a câmera pra fotografá-lo no automático, o "Dr. Jones" tupiniquim em toda a sua glória solitária na aorta do coração da Bahia, o cara ficou ali no seu trono natural por duas horas, aproveitando cada segundo, ao som das trilhas sonoras que John Williams compôs para o arqueólogo de Steven Spielberg, feliz como uma criança de seis anos num parque da Disney.

Com medo de perder a espaçonave velha e combalida do agente que o levaria de volta à civilização, o cara desceu o Morro do Pai Inácio, e ao sopé dele ficou esperado o anacrônico bólido bebendo uma água mineral no bar da pousada ali em frente. Uma bela moça, morena-jambo e com mais curvas que as estradas locais, veio lhe atender com um sorriso luminoso. Enquanto a veraneio do agente não dava sinais de vida, e na falta de clientes, ela sentou ao lado do cara na soleira do bar para um dedo de prosa. "Que cidadezinha é aquela ao longe? Parece tão pequena e tão isolada de tudo!", o curioso queria saber. "Ah, ali é São João Não-Sei-das-Quantas", a terra do lobisomem.", disse a menina, com a maior das naturalidades. "Lobisomem?!?!" E ela contou que naquele lugar além do Morro do Camelo, que ao longe mais parecia uma maquete, havia um velho, o homem mais velho do vilarejo, de quem todos gostavam, que presenteava as crianças com criativos brinquedos de madeira e juta, e que em toda noite de lua cheia virava lobisomem. O sujeito beirava os 90 anos e carregava essa maldição há décadas. Como a população do lugar já sabia disso, mantinha as portas e janelas trancadas uma vez por mês e não deixava o monstro entrar em suas casas nem o preconceito contra o querido velho entrar em seus corações. A besta-fera nonagenária se alimentava de rezes, porcos e animais selvagens da chapada, evitando fazer mal a seus conterrâneos. E assim que a lua cheia ia dormir e o sol batia ponto de manhã a vida continuava normalmente.

O cara ouviu aquilo tudo espantado, com a nítida sinceridade da moça, mas deixou escapar um sorrisinho de escárnio e dúvida entre um gole e outro da segunda garrafa d’água. O pai da garçonete, dono da pousada e do bar, veio se juntar a eles e foi logo perguntando à menina se já tinha contado ao forasteiro a história do lobisomem da chapada. O cara engasgou com as bolhas da água com gás e começou a dar mais crédito à narrativa da moça. Ele que tanto adorava filmes como "Grito de Horror" e "Um Lobisomem Americano em Londres" poderia mesmo crer que um monstro sobrenatural daqueles vivia ali pertinho de onde ele reinou por duas horas?

A conversa e as perguntas seguiam adiante e de arqueólogo de araque o cara se transformou em pesquisador do folclore e repórter inquisitivo. Na parede do restaurante, o ponteiro das horas do velho relógio da Brahma indicava que os negócios do agente na cidade vizinha tinham ido muito além do previsto. Pouco antes do crepúsculo se anunciar nos céus da chapada e quando o cara estava praticamente convencido de que ele e os licantropos coexistiam no mesmo mundo, no mesmo país, e falavam a mesma língua, a veraneio freou bruscamente diante do trio, levantando poeira e embaralhando as crenças do turista. "Perdoe a demora, seu moço, mas é que eu tive uns problemas lá em Mucugê que não dava pra deixar pra outro dia."

Pagou as três águas, despediu-se da bela moça e do pai dela, entrou na veraneio largando a mochila no banco de trás e voltou para Lençóis, ignorando as belas visões à sua volta. Não parava de pensar naquela história e se lamentava de não ter a chance de poder conversar cara a cara com o lobisomem da Chapada Diamantina. Será que bala de prata resolvia mesmo? Isso só o velho ancião poderia lhe esclarecer.

 

quarta-feira, 20 de junho de 2007

O CARA E O BIDÊ DE ROSEMARY

Reunir os amigos para ver filmes na casa de um deles era um dos programas favoritos do cara. Desta vez a anfitriã era Rosemary, que ainda morava com os pais. O apartamento era antigo, daqueles grandes, num prédio imenso construído nos anos 40 ou 50 em Copacabana. Os pais da garota estavam viajando e eles faziam uma noite de queijos e vinhos, enquanto decidiam o que assistir no DVD. O acervo da casa era restrito aos clássicos românticos da mãe, aos faroestes e filmes de guerra do pai e a algumas coisas moderninhas de Rosemary. O cara tinha levado "Shaun of the Dead", que era seu cult-movie na época e só alguns da turma viram. A Josie estava preparada com um show da Marisa Monte e "Chicago", para ter opções se o pessoal ficasse na dúvida entre um musical e um musical. O Léo, como sempre, tinha levado um Wim Wenders e um Fellini. Adriane esqueceu de levar filme e não fazia veto a nenhum. O Edson sacou triunfante da mochila seu último box do "Seinfeld" e "Munique", que ninguém viu no cinema. Mas como todos preferiam mesmo comédias e acabaram entrando no clima nostálgico do Ricardo, a escolha unânime foi o filme que ele levou, "A Dança dos Vampiros", do Polanski.

Rosemary estava toda tensa, com medo do pessoal lambuzar o sofá da mãe de cheddar e gruyère. O Léo, que nem sacava mais do que os outros sobre vinhos, logo se tornou o senhor-todo-poderoso do saca-rolhas quando foi o primeiro a conseguir abrir uma resistente garrafa de merlot chileno. Adriane tinha organizado a lista de compras e parecia ser a pessoa mais responsável ali presente. O resto da turma só queria mesmo era bater-papo, beber muito, degustar uns laticínios chiques e curtir um bom filme.

Naquela noite, penetrando no coração da Transilvânia, o professor Abronsius levou seu fiel assistente Alfred e a turma toda para uma deliciosa aventura soturna e hilária. Edson salivava só de olhar o pescoço de Sharon Tate, indefesa na banheira. A Josie não parava de se encantar em como o Polanski estava garoto e "bonitinho", apesar da nareba e da cara de nerd. O cara devorava todo o gorgonzola que podia, num pão sírio e regado a um tinto gaúcho, enquanto Adriane parecia mais feliz em degustar sua taça de vinho californiano e em estar cercada dos amigos mais queridos. De vez em quando Ricardo soltava umas observações engraçadinhas, como de hábito, e Léo insistia nas comparações entre os vampiros da Universal, da Hammer e do raio que o parta, já que quase sempre se ouvia um shhhh quando ele abria a boca (mais de pirraça mesmo).

Lá pelas tantas, enquanto Shagal implorava um lugar para dormir ao medonho corcunda Koukol, o cara foi esvaziar seu tonel no banheiro, para poder enchê-lo de novo com a sagrada bebida de Baco. Logo que entrou, ficou espantado com o tamanho do cômodo. O banheiro bem que poderia pertencer ao castelo do Conde von Krolock. Com um pé direito bem alto, uma pia e um espelho de fazer inveja a qualquer hotel europeu classudo, banheira e box separados, bidê e todas as toalhinhas e bibelôs característicos, o lugar tinha peças de mármore e era forrado com imponentes e belos azulejos que pareciam ter chegado ao Brasil nas caravelas. Enquanto esvaziava a bexiga na respeitável privada (até o limite máximo que uma privada pode ser respeitável), o cara concluiu que bastava aquele banheiro para se montar uma boa festa com umas garotas, um sonzinho e uma garrafa de Jack Daniels.

Porém havia algo de diferente ali que o cara não conseguia captar. Não, não era o cheiro. O lugar realmente era perfumado com as essências da mãe de Rosemary. Apesar de todo o banheiro parecer não pertencer ao mundo real, simplesmente havia algo ali que não parecia certo de verdade. Só que o cara não descobria, por mais que tentasse. Fechou o ziper e lavou as mãos, ensaboando-as insistentemente num singular peixe-sabonete, que provavelmente foi feito antes dele nascer. Ao enxugar as mãos, o cara notou que seu cadarço estava solto. Instintivamente apoiou o pé no bidê para amarrar o laço. E aí se deu a tragédia.

O aristocrático bidê estava solto e o cara se agarrou no porta-toalhas para não cair. Ao contrário dele, a peça de mármore não tinha mãos e se espatifou no chão, ecoando como uma explosão pelo apartamento. Assustado com o estrago que fez por causa de um tênis desamarrado e sem poder evitar as conseqüências, o cara saiu correndo dali. Na sala, todos estavam parados e mudos, como numa fotografia, alguns com as taças a meio caminho da boca, outros com nacos de queijo entre os dentes, todos de olhos arregalados e inquisitivos. Apavorada por suspeitar o que tinha acontecido, Rosemary correu até a porta do banheiro e gritou.

Segurando uma longa faca suja de queijo brie, ela levou a outra mão à boca e arregalou os olhos azuis como dois pires. "O que você fez com o bidê da minha mãe, seu idiota? O banheiro estava em obras, sua anta! Eu te disse pra tomar cuidado!". O cara não sabia o que fazer, o que dizer, aonde se enfiar. Queria sumir descarga abaixo. Adriane defendia o coitado enquanto – só para piorar as coisas – Josie só pensava na reação da mãe de Rosemary quando voltasse de viagem. E a anfitriã, descontrolada, com aqueles olhos imensos e a ameaçadora faca na mão continuava gritando "O QUE VOCÊ FEZ COM ELE? O QUE VOCÊ FEZ COM O BIDÊ?"

Diante da cena, alheio à confusão e depois de uma garrafa e meia de beaujolais, Ricardo olhou o Polanski na tevê e ainda pensou em responder "ele tem os olhos do pai". Mas pensou melhor e se calou, com medo que a lâmina suja de queijo na mão de Rosemary fosse parar no seu pescoço.

 

sábado, 16 de junho de 2007

O CARA E O RETROVISOR

O cara passava a maior parte do seu tempo no quarto. Numa parede havia uma grande estante embutida que ele mesmo desenhou e mandou fazer. Branca, grande, que ia do chão ao teto, cheia de espaços para os livros, revistas em quadrinhos, Playboys e similares, fitas VHS, CDs de música, um pequeno aparelho de som, um videocassete, E ali, no meio de tudo, ficava a televisão. A TV, a babá eletrônica, a janela para o mundo, onde "the world crashes in, into my living room", como dizia a canção dos Talking Heads. Para o cara a televisão era tudo. Ou quase tudo. Enfim, vocês entenderam.

Na parede oposta, ao lado da cama de campanha do cara, havia uma mesa de madeira com suas coisas pessoais, uma papelada amarfanhada e o computador. Para o cara aquele monitor era outro portal fundamental para o mundo. Aliás, para vários mundos diferentes, de várias dimensões. Para escrever, ler e-mails, navegar por sites pornôs, jogar videogames, conversar em salas de bate-papo, fazer pesquisas para a faculdade, fazer pesquisas para as idéias mirabolantes e estapafúrdias que ele mesmo tinha. Para o cara era como entrar literalmente numa grande variedade de dimensões de prazer e diversão. Enfim, vocês também entenderam.

O problema é que quando o cara estava ao computador, ele não podia ver TV, e quando queria ver TV, não podia aproveitar o computador. Dilema dos dilemas, ser ou não ser, TV ou PC. Da cama estreita até que o cara podia vislumbrar algum site interessante enquanto via um filme ou um seriado, mas usar o mouse daquele jeito (ainda) era anatomicamente impossível. Até ficar girando que nem um frango de padaria na cadeira ergométrica do computador o cara tentou, mas se sentiu um completo idiota em tempo recorde – e olha que isso era muito difícil! Enquanto o cara se angustiava em resolver esse dilema, a TV e o PC ficavam se encarando, ameaçando-se mutuamente, arrotando cada qual as suas vantagens. Era um duelo silencioso entre dois grandes mestres, como Karpov e Korshnoi, como John Wayne e Clint Eastwood. Por favor, vocês também entenderam.

Até que a solução do grande dilema surgiu da forma mais simples do mundo, com ajuda dos badulaques de sua mãe. Um dia ela estava fazendo a limpeza geral numa gaveta do banheiro e decidindo o que seria jogado fora e o que iria voltar a ter utilidade. O cara passou e viu um daqueles espelhos redondos de dois lados que as mães adoram, com um lado normal e outro ampliado, para se ver bem de perto e ter motivos reais para dizer que os pés de galinha estavam crescendo e que os filhos e o marido estavam acabando com ela. Lembrando que ele tinha grudado um daqueles suportes pretensamente úteis para sustentar papéis no canto superior do monitor, o cara juntou A com B e perguntou à mãe se podia ficar com o espelho. Sem se importar com as esquisitices do filho, ela lhe deu o espelho dupla-face.

A partir daquele dia o cara criou o primeiro espelho retrovisor de computador do mundo, que o permitia navegar na internet e ver televisão ao mesmo tempo, sem precisar girar a cadeira, o pescoço ou se preocupar com uma questão tão profunda e relevante como essa era para a Humanidade.

Para não dizerem que eu estou mentindo, o cara até apareceu no caderno de informática dO Globo uns meses depois, graças a sua grande invenção!

 

sexta-feira, 15 de junho de 2007

O CARA E A EX-NAMORADA

O cara estava namorando uma menina espetacular. Menina é forma de dizer: ela era seis anos mais velha que ele, mais alta, quase formada em jornalismo na PUC, fazia artesanato, tinha personalidade forte e ao mesmo tempo era delicada e divertida. Em resumo, a mulher dos sonhos de qualquer homem de bom gosto. O problema é que o cara não era o titular e sim o "Ricardão". A ele ficavam reservadas as terças e quintas à tarde, as folgas em que ninguém tinha nada para fazer, o restolho do tempo.

Mas o cara estava encantado por ela! Eles se conheceram num trabalho temporário, estavam juntos (dentro dos limites explicados acima) há dois meses e quando ele tinha a chance de andar de mãos dadas com ela, o cara levitava cerca de uns cinco centímetros do chão, inflado de felicidade. Transaram duas vezes, na casa dele, quando os pais estavam viajando. Uma ao som de George Gershwyn, como tórridos amantes de elegantes filmes antigos, e outra ao som da trilha sonora de "Psicose", composta pelo sisudo Bernard Herrmann. O cara estava empolgado porque era sua última grande aquisição musical (ou talvez porque gostasse da idéia de dominar aquele mulherão como se fosse o próprio Norman Bates). Enfim, a bizarra tentativa de sexo nem rolou e tudo terminou com os dois gargalhando nus no sofá com taças de vinho meio vazias caídas no tapete.

O casal trocava presentinhos simples, desenhos infantis de animais híbridos (o "ratopinto", que ela fez pra ele, por exemplo) e freqüentavam um pub escondido no Leme. Numa das tardes livres tão ansiosamente aguardadas por ele, a moça chegou, sentou e o cara logo gritou "Juvenal, traz a cuba-livre dela!" na direção do balcão. Ela estava séria e disse que os dois precisavam ter uma conversa muito séria. O cara se fez de desentendido, começou a perder o controle, ela tentava tomar coragem para explicar as coisas, Juvenal trouxe a cuba-libre com a presteza e discrição que só os barmens mais experientes têm, o cara gaguejou que tinha uma coisa pra ela, a moça entornou meio copo da bebida goela abaixo e disse na bucha que tinha contado tudo sobre o caso deles ao namorado, que os dois tinham chorado muito, que o corno a perdoou e que ela estava ali para terminar tudo com o cara.

O tempo parou, enquanto ela explicava que adorava ele, que não queria que ele sofresse de jeito nenhum, que gostaria que ele fosse muito feliz, mas que não dava para manter mais aquela situação entre eles. Enquanto ela falava, o tempo continuava parado, num milagre físico, estático, congelado. O cara não conseguia piscar nem tirar os olhos arregalados do rosto dela. Provavelmente teve um pequeno coma e um enfarte nesses poucos segundos infinitos e eternos.

Ela tirou uma foto três por quatro da bolsa, escreveu uma pequena dedicatória a ele, tirou o anel que ele lhe dera de presente, levantou-se, deu-lhe um beijo na testa. O cara continuava congelado, parado, fixo, imobilizado, como se tivesse sido afetado por algum gás tóxico ou pelo dardo envenenado de algum personagem de quadrinhos. AH! Antes de ir embora e de deixar bem claro que amou cada instante que os dois tiveram juntos, a moça disse que estava "atrasada", e que como a camisinha rasgou durante a transa ao som de Gershwyn, ela não tinha certeza qual dos dois era o pai. E saiu.

Juvenal olhou para o amigo como se ele tivesse sido acusado de ter cometido múltiplos assassinatos e condenado à pena máxima. Sem fazer muitos movimentos, o cara pediu a Juvenal a velha gim-tônica de sempre. Mas sem a tônica. E que ele deixasse a garrafa na mesa.

Vinte e três minutos mais tarde, a garrafa de gim (que acabara de perder o lacre) estava mais seca por dentro do que por fora. O cara já estava num ônibus lotado a caminho da Praça XV, no Centro do Rio. Após uma fila paquidérmica, o cara atravessou a baía da Guanabara à bordo de uma cantareira. O gim balançava mais na cabeça dele do que as ondas batiam no casco da barca. Ao chegar na UFF, ele foi recebido de braços abertos pelo seu amigo Daniel (que se parecia muito com o Pato Donald, mais pela ranzinzisse e pelo estado de espírito do que pela aparência), que o veio abraçar feliz da vida repetindo "cara, eu vou ser tio! Eu vou ser tio!"

Quase desfalecendo de embriaguez, desencanto, desespero, cansaço físico, e uma forte vontade de morrer (não real, mas como sentem os jovens poetas) nos braços do amigo, o cara só teve forças de balbuciar "Daniel... eu vou ser pai...", e caiu sentado no chão.

Daniel, atônito, pensou bem e disse "cara, você não tá bem!"

* * * * * * * *

Alguns dias depois ela ligou pro cara só pra avisar que tinha sido menstruação atrasada. O desenho do "ratopinto" está em algum lugar nos alfarrábios dele.

 

O CARA E O TECLADO

A letra k insistia em aparecer no texto mesmo sem ser teclada. O cara desconectou o fio, agarrou o teclado com as duas mãos e, com a tranqüilidade de quem espera o leite ferver, esmagou com toda a violência possível o teclado contra a porta do armário, soltando lascas deste por todo o quarto. Sem ao menos piscar, ele repetiu o mesmo golpe, com a mesma tranqüila ferocidade. As teclas encardidas voaram como se fossem dentes podres de uma enorme boca idosa e indefesa. Para se certificar de que compraria um teclado com o mesmo padrão de tomada, o cara arrancou o fio do que restou do teclado destruído em suas mãos como se destripasse um pequeno animal. Largou a carcaça no chão, desligou o computador como fazia todas as noites e foi alimentar os gatos.

No dia seguinte o cara usou as teclas soltas e velhas como parte fundamental do portão medieval de uma maquete que estava fazendo. Ficou perfeito.

 

quinta-feira, 7 de junho de 2007

terça-feira, 5 de junho de 2007

UM POUCO DE AUGUSTO DOS ANJOS

Versos Íntimos

Augusto dos Anjos


Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

 

sexta-feira, 1 de junho de 2007

The Beatles -- A Day in the Life




Hoje a Banda-Clube dos Corações Solitários do Sargento Pimenta completa 40 anos, cheia de honras, festas, emoções, documentários, elogios, pompa e circunstância. Tudo isso é muito merecido para um álbum que foi o primeiro álbum conceitual do rock'n'roll britânico, o primeiro a vir com as letras das músicas, o primeiro a vir com encarte e capa dupla, o primeiro em muita coisa.

"Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" pode não ser o favorito de muitos beatlemaníacos, porém é uma unanimidade entre os críticos e muitos fãs da música pop. Eleito o disco mais importante do século 20 (dentre 400) pela revista americana Rolling Stone, o álbum até hoje é surpreendente, moderno, arrojado, vanguardista, inovador, eclético, absolutamente genial. E merece ser ouvido com o mesmo cuidado de uma peça de Mozart, Bach ou Beethoven.

Minha singela homenagem ao ponto de virada dos Fab Four é a lembrança do clipe de época de "A Day in the Life", última faixa (ou penúltima, como preferem os mais radicais) e minha música preferida do álbum do querido Sargento Pimenta.