Para o cara, o seu aniversário era a data mais importante do ano. Do século. Da galáxia. Para ele deveria ser feriado universal, e todas as pessoas do mundo deveriam aproveitar aquele dia para fazer o que mais lhes dessem prazer – sem incomodar os outros, naturalmente. Isso era instintivo no cara, ele sentia isso de verdade.
Por esse motivo ele ficou tão frustrado no dia em que sua namorada que morava em outro Estado e que chegaria na manhã do seu aniversário teve que adiar a viagem ao Rio por causa de uma prova da faculdade, obrigando ele a mudar de planos. Pior, a passar seu aniversário sozinho. Foi para um bom restaurante italiano, sentou na varanda, pediu um talharim a matriciana e comeu tudo olhando a lua cheia de julho, com os olhos embaçados de lágrimas como se fosse o cão vagabundo da Disney sem a sua tão amada Lady.
Traumatizado por nunca ter tido uma festa surpresa, uma vez ele pediu a uma amiga uma festa surpresa de aniversário. Um absurdo, claro. E o mais absurdo é que ela conseguiu realizar a tal festa com vários amigos do cara sem que ele soubesse de nada. E na casa dele! Foi uma festa surpresa e tanto, inesquecível!
Porém o cara sempre sonhou que um dia fizessem para ele uma festa surpresa total, o que os norte-americanos chamariam de "the ultimate surprise party". Por morar sozinho, o cara gostava de manter uma cópia das chaves de casa com uma amiga, praticamente sua irmã mais velha, a Cláudia. E já que uma amiga tão querida tinha como entrar na casa do cara sem que ele soubesse, o ingênuo sujeito alimentava a fantasia de que no dia do seu aniversário alguns amigos o tirariam de casa por algum motivo – que o tonto nem perceberia – e que a Cláudia e outro grupo de amigos entrariam em seu apartamento, fariam uma faxina completa, decorariam o ambiente, encheriam o lugar de presentes e surpresas (incluindo uma garota pra passar a noite sozinha com o cara) o esperariam no escuro. Quando ele chegasse com o resto dos amigos que o arrancaram de sua solidão, todos pulariam e gritariam de felicidade, e cantariam os parabéns, e o encheriam de beijos e abraços e presentes... e o cara acordaria, já que isso era uma fantasia grande e inatingível demais para que um dia se tornasse realidade.
Um dos grandes defeitos do cara era esperar demais dos outros, confiar demais nas pessoas, enxergar bondade e boa vontade em todos que o cercavam. E quando isso falhava, ele ia de um extremo a outro: se tornava o sujeito mais paranóico do mundo, alimentando um sentimento de mágoa e raiva com toda a certeza de que todos o odiavam ou o desprezavam, e que nunca deram bola para ele. "Todo mundo me persegue, só porque eu sou paranóico" era a sua máxima nesses momentos.
E o aniversário do cara se aproximava. E como em todo ano, ele tentava sondar seus amigos para ver se descobria se uma festa surpresa estava sendo armada. Mas agora muita coisa mudara. A grande maioria de seus amigos mais queridos e mais antigos tinha se mudado de vez, moravam em São Paulo, Brasília, na serra gaúcha, em Natal, na França, ou perderam contato com ele há tempos. Seria mais fácil fazerem um show dos Beatles, Rolling Stones, The Who, Pink Floyd, Supertramp e Creedence Clearwater Revival – todos juntos no mesmo palco (inclusive os que já morreram) – do que reunir essa turma toda para uma festa surpresa para o cara. Em sua megalomania ele sentia que era um sujeito importante e fundamental para todos os que o cercavam, ao mesmo tempo que se sentia a bactéria da mosca do cocô do cavalo do bandido em sua solidão e em sua longa e forçada solteirice.
Enquanto o relógio andava, a ansiedade o corroía rapidamente como piranhas famintas num boi desgarrado. O sono da véspera o trouxe alento e o Senhor dos Sonhos o presenteou com o mais magnífico de todos os aniversários, em plena Praça de São Marcos em Veneza, pouco antes do por do sol, com todos os amigos que ele tinha imaginado (inclusive os que já morreram) lhes dando parabéns, abraços, beijos, carinho, presentes, tudo regado a bons vinhos, cerveja pros amigos, Jack Daniels e uma caixa de Montecristos no.4 para ele, sushis e sashimis variados para todos, até o raiar do dia, na belíssima e flutuante Veneza.
Depois de um dia tenso, recebendo pouquíssimas chamadas por problemas na sua conta telefônica, o cara terminou o dia do seu aniversário sentado numa mesa de restaurante, cercado de meia dúzia de três ou quatro amigos queridos, comendo sushis e sashimis contados por conta da sua carteira magra, bebendo água tônica e indo dormir sozinho, no seu solitário apartamento.
Em meio a tanta escassez e a tanta frustração, o cara até trocaria a bela e selvagem garota de seus sonhos e fantasias inconfessáveis por um grande tigre de pelúcia para dormir abraçado com ele. Pelo menos assim se sentiria mais como na verdade era, um grande Calvin de Bill Watterson, em carne, osso e ilusões.