HITCHCOCK & EU
Muito antes de fazer faculdade de cinema eu já era fissurado por
Alfred Hitchcock (fotos 1 e 2, com seus pássaros). Desde criança sou fã desse cineasta inglês rotundo, cínico, preciosista, dono de um humor singular, e na minha opinião, o maior contador de histórias do século 20.
Tomei conhecimento do “mestre do suspense” ainda na infância, no início dos anos 70, pois a Globo exibia
“Os Pássaros” a cada dois meses, e em todas as vezes lá estava eu, ao lado da minha mãe, aboletado diante da TV me arrepiando com aquela primorosa história de horror e suspense.
Alguns anos depois descobri uma série de livros da editora Record que reuniam contos de suspense e terror psicológico e levavam o aval de Hitch:
“13 Histórias Que Até a Mim Assustaram” (foto 3),
“Minhas 13 Histórias Favoritas de Suspense” (foto 4), “Com Açúcar e Veneno”, “13 Histórias de Arrepiar”, “Enterro de Primeira Classe”, “Histórias Para Ler à Meia-Noite”, “Histórias Que Mamãe Nunca Me Contou”, entre outros. Eram livros que se encontravam em qualquer livraria ou barraca da Feira do Livro, muito populares na época. Também achei num sebo uma coleção de revistas de 1972 chamada
"Alfred Hitchcock Mistério Magazine" (foto 5), publicada mensalmente pela editora Artenova. Seguia o mesmo padrão dos livros, com contos policiais, de suspense e terror. Por volta de 1976 ou 77, encontrei um livro sobre Hitchcock e seus filmes, escrito pelo crítico inglês Noel Simsolo, onde aprendi muito sobre a obra do mestre. Infelizmente esse livro se perdeu em algum empréstimo (coisa que não faço mais).
No dia 29 de abril de 1980 Sir Alfred Hitchcock morreu. Na semana seguinte o cinema Lido 2, na praia do Flamengo (que desgraçadamente virou igreja evangélica), montou um
Festival Hitchcock, com um filme por dia
(foto 6), e eu tive a chance e o imenso prazer de assistir a todos os sete filmes na tela grande. Lembro bem que, mesmo tendo visto
“Os Pássaros” cerca de meia-dúzia de vezes na TV, saí do cinema apavorado com os pombos da praia do Flamengo após ver o filme na telona. Porém foi na quinta-feira desta semana que o mundo e o cinema mudaram subitamente diante dos meus olhos, ao assistir
“Psicose”. Não sabia
absolutamente nada sobre Norman Bates e sua sinistra mãe, nem tampouco sobre a história. Sobre o filme Hitchcock disse que
“o assunto me importa pouco, os personagens me importam pouco; o que me importa é que a junção dos trechos de filme. A fotografia, a trilha sonora e tudo aquilo que é puramente técnico podiam fazer o público gritar. Creio que é uma grande satisfação para nós cineastas utilizar a arte cinematográfica para criar uma emoção de massa. E, com ‘Psicose’ cumprimos isso. Não foi uma mensagem que intrigou o público. Não foi um romance muito apreciado que cativou o público. O que comoveu o público foi o filme puro. A maneira de construir essa história e de contá-la levou o público a reagir de uma forma emocional. A construção desse filme é muito interessante e é a minha experiência mais apaixonante de jogo com o público. Em ‘Psicose’ eu não dirigi atores, eu dirigi a platéia.”Se é assim, tenho muito orgulho de dizer que fui dirigido por Alfred Hitchcock naquele dia. E desde então, por tudo o que
“Psicose” significa como obra cinematográfica, como uso meticuloso e preciso de todos os elementos gramaticais que a linguagem do cinema proporciona a um diretor com o objetivo de impactar e emocionar o público, considero-o
o melhor e mais perfeito filme de toda a História do cinema. Sem exageros e sem comparações.
Logo corri aos sebos de livros novamente em busca do romance de Robert Bloch
(fotos 7 e 8), em que Hitch se baseou para fazer sua obra-prima. Cheguei a comprar compulsivamente todas as cópias do romance em português, publicado pela editora Record, que achava nas livrarias, apenas para presentear os amigos e espalhar minha paixão por aquela mórbida história. Nos anos seguintes consegui dois tesouros relacionados ao filme: um exemplar meio carcomido do
Cahiers du Cinéma nº113 (foto 9) com capa e um longo ensaio sobre
“Psicose”, e um livrão extraordinário –
"Alfred Hitchcock's PSYCHO" (foto 10) – com mais de 1300 fotogramas do filme e todos os diálogos do roteiro, organizados de forma seqüencial para que se pudesse “ver” o filme apenas folheando o livro. Um verdadeiro vídeo-cassete sem ligar na tomada, só faltando a música de Bernard Herrmann. Achei esta raridade – editado por Richard J. Anobile, da Film Classics Library – na saudosa livraria Ao Livro Técnico, na rua Miguel Couto, no Centro do Rio. Nessa mesma época, entre meus delírios cinematográficos, eu sonhava em poder morar um dia numa casa que fosse a réplica da mansão Bates
(foto 11), símbolo do estilo “Gótico Californiano”.
Em 1983 o diretor australiano Richard Franklin dirigiu nos EUA
“Psicose II” (foto 12) a continuação do filme de Hitchcock. Obviamente o filme não chega aos pés do original, mas apesar das indevidas inserções de cenas de violência explícita feitas pelos produtores americanos à revelia de Franklin,
“Psicose II” é um filme razoável. Até porque era com imenso prazer que eu voltava à mansão Bates, ao Bates motel e reencontrava o próprio Norman Bates, 23 anos depois dos acontecimentos originais. E para o lançamento, o próprio Anthony Perkins veio ao Brasil e fez uma palestra ao público na Cinemateca do MAM. É claro que eu estava lá, gravei a entrevista em fita cassete, tirei uma foto ao lado do primeiro e único Norman Bates
(foto 13) e o fiz autografar uma pilha de livros relacionados ao filme, entre eles meu exemplar do
Cahiers du Cinéma nº113 (foto 14) e meu livro
“PSYCHO” da Film Classics Library, na primeira página e
na foto da cena final (foto 15).
No ano seguinte conheci e namorei a Denise, outra apaixonada pela obra de Alfred Hitchcock como eu
(foto 16). Uma tarde, na casa dela, montamos e fotografamos algumas cenas de clássicos do mestre, entre eles
“Suspeita” (fotos 17, 18 e 19) e
”Disque M Para Matar” (fotos 20, 21 e 22). Foi uma tarde divertidíssima, apesar de no fim eu ter sido assassinado como uma das criaturas de Hitchcock
(foto 23)...
O ano de 1985 trouxe o relançamento mundial de cinco filmes de Hitch em cópias estalando de novas. Eram
“Festim Diabólico” (48),
“Janela Indiscreta” (54),
“O Terceiro Tiro” (56),
“O Homem Que Sabia Demais” (56) e
“Um Corpo Que Cai” (58)
(foto 24), longe dos olhos do público há décadas por questões contratuais. Seguindo o exemplo de Anthony Perkins, James Stewart – amigo pessoal de Hitchcock e ator de quatro de seus filmes – veio ao Brasil para promover o relançamento junto à distribuidora UIP. Naturalmente me plantei na porta do hotel Rio Palace no Posto 6, em Copacabana, até conseguir falar com Jimmy Stewart. Tirei
uma foto ao seu lado (foto 25) e pedi
um autógrafo dele num lobby card de “Um Corpo Que Cai” (foto 26). Assisti quase todos os cinco filmes no saudoso cine Veneza, na praia de Botafogo.
No meu aniversário de 21 anos, em 1986, ganhei de uma amiga um exemplar do mais completo e importante livro sobre o cinema de Alfred Hitchcock, feito pelo também extraordinário cineasta e crítico francês François Truffaut,
"Hitchcock / Truffaut" (foto 27), da editora Brasiliense, esgotadíssimo e relançado recentemente por outra editora. Poucos anos depois consegui
a quadrinização de “Psicose” em três partes (foto 28) e o livro fundamental para qualquer fã do filme,
Alfred Hitchcock and the Making of PSYCHO (foto 29), de Stephen Rebello.
Quando montei o curso
”História Ilustrada do Cinema” com minha amiga Cláudia Dottori, em 1993, fiz o cartaz de divulgação em cima de
uma foto dos bastidores de “Psicose” (foto 30), e em 2004, na penúltima edição do curso, meu amigo Henrique Granado transformou a imagem num
cartão postal (foto 31).
Minhas últimas aquisições relativas ao “mestre do suspense” foram
um action figure de Norman Bates (foto 32), da coleção Movie Maniacs, da McFarlane Toys, e
o DVD de “Psicose” (foto 33), presente da Cláudia no meu penúltimo aniversário. Um dia ainda vou conseguir uma dessas maquetes da mansão Bates
(fotos 34 e 35), meus próximos “objetos do desejo”. Ou então eu mesmo faço uma.
E para fechar essa história, só quero lembrar que Alfred Hitchcock fez 53 filmes. Tenho o orgulho de ter assistido à grande maioria, sendo que mais de 30 deles vi
no cinema, o que faz toda a diferença. E dentre todos esses filmes, depois de muitas dúvidas, elegi cinco deles como suas maiores obras-primas. São, em ordem cronológica,
“Janela Indiscreta”, “Um Corpo Que Cai”, “Intriga Internacional”, “Psicose” e “Os Pássaros” (fotos de 36 a 40).
E agora, como diria o bom e velho Hitch, “Good evening”.