quarta-feira, 26 de janeiro de 2005

Conto (6): "A VOZ DA FELICIDADE", de Luís Fernando Veríssimo


- Alô?
- Aqui fala a Voz da Felicidade. Quem fala aí?
- Como?
- Aqui fala a Voz da Felicidade. A voz que leva a alegria ao seu dia-a-dia. Amaro Amaral, o rei do dial. O que está nas ondas e não é surfista, está no fio e não é equilibrista. O que leva a sorte ao seu lar pelo ar.
- Eu não estou entendendo...
- Como é o seu nome?
- É... é...
- Você não sabe o seu nome? Já vi gente mal-informada, mas a senhora leva o prêmio, hein?
- Não, é que...
- Não leve a mal. É Amaro Amaral, o homem do coisa e tal. Alegria não paga imposto. Diga lá. Já lembrou o seu nome?
- É Maria.
- A da sapataria? Estou brincando. Coisa e tal. Bom-dia, dona Maria!
- Bom-dia. Eu...
- Quando é que a mulher tira a roupa mais depressa?
- O quê?
- É uma charada, dona Maria. Responda num minuto e ganhe um colchão Celeste, nuvem anatômica. O relógio está correndo. O relógio está fazendo Cooper. A senhora tem 40 segundos.
- É que... Estou meio...
- Trinta segundos, dona Maria. O relógio foi correndo até a esquina e já está voltando. A senhora estava dormindo, dona Maria? A essa hora? Que voz de sono! O sol está brilhando e Amaro Amaral está cantando. "O sole mio, e coisa e tal..." Está bem, dona Maria, eu paro. Como é, e a charada?
- Eu...
- Vou lhe dar outra chance de ganhar umm colchão Celeste, nuvem anatômica, onda dá para dormir até de olhos fechados. Já que a senhora gosta tanto de dormir, não é, dona Maria? Estou brincando. Posso repetir, dona Maria?
- Sim, é que...
- Quando é que a mulher tira a roupa mais depressa? Cuidado com o que a senhora vai responder, dona Maria. Este é um programa de família.
- Programa?
- Nós estamos no ar, dona Maria. A Voz da Felicidade, com Amaro Amaral, o baixinho alto astral. Diga lá. A senhora tem mais um minuto. Acorda, dona Maria!
- É que eu estou meio zonza. Tomei uns comprimidos...
- O que é isso, dona Maria? Alegria não se compra em farmácia. Coisa e tal. E a charada?
- Tomei o vidro inteiro. Queria me matar.
- Não me diga isso, dona Maria! Que coisa feia. O mundo é tão bom.
- Não é não.
- Dona Maria, me dê o seu endereço que eu vou mandar um médico aí.
- Não, eu...
- Olha aí, produção. Vamos checar o número de telefone da dona Maria e descobrir o endereço dela. Dona Maria, por que a senhora fez isso? A senhora tem família, dona Maria? Como é o seu nome todo?
- Solidão...
- Maria Solidão. Olha aí, família Solidão, vamos dar uma mão.
- Há um ano que eu espero esse telefone tocar. Um ano. Hoje ele toca e...
- É a Voz da Felicidade, dona Maria, Ammaro Amaral, seu amigo matinal. Dona Maria, a senhora está me ouvindo?
- Mais ou menos.
- Não desligue, dona Maria! Nós vamos ajudá-la. Atenção, dona Maria. Sensacional. Acabam de me passar um bilhete do patrocinador dizendo que a senhora não precisa responder a charada. Já ganhou o supercolchão Celeste, nuvem anatômica. Veja só o que a senhora ia perdendo, dona Maria. O mundo é bom.
- Um ano sem tocar...
- Alô, dona Maria. Para onde a gente manda o colchão? Eu mesmo vou aí entregar o colchão, dona Maria. Amaro Amaral, seu amigo matinal. Coisa e tal. Nos dê seu endereço que...
- Solidão...
- Atenção. Acabo de ser autorizado pelo meus patrocinadores a revelar a resposta da charada. A senhora vai saber a resposta da charada e ainda ganha um super Celeste, nuvem anatômica, no mole. Tome nota dona Maria. Não desligue.
- Um ano... Nada... Ninguém...
- Não desligue, dona Maria. Mas ainda não descobriram essa porcaria de endereço? Atenção, dona Maria. A charada era, quando é que a mulher tira a roupa mais ligeiro. A resposta é, quando começa a chover. A mulher vai correndo tirar a roupa do varal. Entendeu, dona Maria?
- Ahn...
- A mulher vai correndo... Alô, dona Maria? Dona Maria?
- (Clic)


* * * * * * * * * *

Este conto foi transformado num curta-metragem em 1987 pelo diretor Nelson Nadotti, com a saudosa Isabel Ribeiro e Pedro Santos. Foi o melhor curta do Festival de Gramado de 1988, ganhando também os prêmios de melhor ator e atriz.

3 comentários:

  1. Bom demais....eu não conhecia. Adorei.

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  2. Triste isso, muito triste...
    Dá pra imaginar a cena de tão possível de acontecer...Não é a toa que virou um curta.
    Vai dando um sufoco ao imaginar...

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  3. Esse texto é fabuloso; aliás, eu gosto muito dos textos do Veríssimo (os autênticos, "escoceses", originais) e geralmente não gosto deles representados.
    E nosso escambo jazzístico, quando sai?
    Abração!

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