sexta-feira, 29 de julho de 2005

DUAS PITADAS NECESSÁRIAS DE DRUMMOND


 

A DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO

 

Um minuto, um minuto de esperança,

e depois tudo acaba. E toda crença

em ossos que se esvai. Só resta a mansa

decisão entre a morte e a indiferença.

 

Um minuto, não mais, que o tempo cansa,

e sofisma de amor não há quem vença

este espinho, estaagulha, fina lança

a nos escavacar na praia imensa.

 

Mais um minuto só, e chega tarde.

Mais um pouco de ti, que nãqo te dobras,

e que eu me empurre a mim, que sou covarde.

 

Um minuto, e acabou. Relógio solto,

indistinta visão em céu revolto,

Um minuto me baste, e a minhas obras.

 

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O ENTERRADO VIVO

 

É sempre no passado aquele orgasmo,

é sempre no presente aquele duplo,

é sempre no futuro aquele pânico.

 

É sempre no meu peito aquela garra.

É sempre no meu tédio aquele aceno.

É semopre no meu sono aquela guerra.

 

É sempre no meu trato o amplo distrato.

Sempre na minha firma a antiga fúria.

Sempre no mesmo engano outro retrato.

 

É sempre nos meus pulos o limite.

É sempre nos meus lábios a estampilha.

É sempre no meu não aquele trauma.

 

Sempre no meu amor a noite rompe.

Sempre dentro de mim meu inimigo.

E sempre no meu sempre a mesma ausência.

 

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(Carlos Drummond de Andrade em "O Fazendeiro do Ar", do livro "Reunião")

Um comentário:

  1. Que tal trazer o orgasmo para hoje, que é o dia internacional dele? (risos)

    Dizer que Drummond dispensa comentários é lugar-comum. Mas não me importo. No entanto prefiro o lado mais otimista e romântico de sua obra. Apesar de muito bem construídos esses versos, como posso gostar de "Um minuto, um minuto de esperança, e depois tudo acaba"?

    Abraços,
    Dulce.

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