A DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO
Um minuto, um minuto de esperança,
e depois tudo acaba. E toda crença
em ossos que se esvai. Só resta a mansa
decisão entre a morte e a indiferença.
Um minuto, não mais, que o tempo cansa,
e sofisma de amor não há quem vença
este espinho, estaagulha, fina lança
a nos escavacar na praia imensa.
Mais um minuto só, e chega tarde.
Mais um pouco de ti, que nãqo te dobras,
e que eu me empurre a mim, que sou covarde.
Um minuto, e acabou. Relógio solto,
indistinta visão em céu revolto,
Um minuto me baste, e a minhas obras.
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O ENTERRADO VIVO
É sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.
É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É semopre no meu sono aquela guerra.
É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.
É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.
Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.
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(Carlos Drummond de Andrade em "O Fazendeiro do Ar", do livro "Reunião")
Que tal trazer o orgasmo para hoje, que é o dia internacional dele? (risos)
ResponderExcluirDizer que Drummond dispensa comentários é lugar-comum. Mas não me importo. No entanto prefiro o lado mais otimista e romântico de sua obra. Apesar de muito bem construídos esses versos, como posso gostar de "Um minuto, um minuto de esperança, e depois tudo acaba"?
Abraços,
Dulce.