segunda-feira, 18 de outubro de 2004

ESPÉCIES EXTINTAS


"Esse Rio de Janeiro! O homem passou em frente ao Cinema Rian, na Avenida Atlântica, e não viu o Cinema Rian. Em seu lugar havia um canteiro de obras. Na avenida Copacabana, Posto 6, passou pelo Cinema Caruso. Não havia Caruso. Havia um negro buraco, à espera do canteiro de obras. Aí alguém lhe disse: 'O banco comprou.' (...)"

(Carlos Drummond de Andrade, na crônica "Os Cinemas Estão Acabando")



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Uma das coisas que mais me dói ao andar pela minha cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro é constatar a extinção dos grandes cinemas de rua. Tudo bem, sei que sou nostálgico, me assumo como tal, sei que há prós e contras quanto à nostalgia, mas tenho saudades do Rio da minha infância e adolescência sim, qual o problema?

A tal da globalização neo-liberal já devastou muita coisa nesse mundo, entre elas as grandes salas de cinema de rua, e deu boas-vindas aos nefastos conglomerados ianques como Cinemark e UCI, entocados nos shopping centers. São salas confortáveis, com apoio pro refrigerante, boa projeção e som digital, mas e daí? O que perdemos com isso? Trocou-se o sagrado ritual de ir ao cinema (ao menos para mim) por "fazer uma horinha" entre uma compra e outra nos movimentados shoppings da cidade. Em vez de comprar um ingresso e poder assistir ao filme quantas sessões desse na veneta - direito inalienável até há alguns anos atrás -, os cineminhas de shopping expulsam você "delicadamente" no fim da sessão. É o mesmo espírito do fast food: o fast movie, de alta rotatividade e a "filosofia" do tô-pouco-ligando-pra-se-você-gosta-de-cinema. Magia do cinema? O que é isso mesmo?

Tenho muitas saudades dos cinemas da minha infância. Lembro bem do CINE AZTECA (foto da direita, colorida), na rua do Catete, 228, onde hoje funciona o Centro Comercial do Catete. Foi nesse verdadeiro templo que assisti à maioria dos filmes de Walt Disney. Aí e no saudoso cine Vitória, na rua Senador Dantas, no Centro do Rio, que hoje virou estacionamento. Dá para acreditar que esse prédio sensacional da foto, que imitava um templo asteca estilizado, com 1780 lugares, foi posto abaixo para a construção de um centro comercial fuleiro? Pois é. É o tal do "progresso".

Tenho muito orgulho de ter visto "Guerra nas Estrelas", "King Kong" (76) e "Um Passe de Mágica" no grande São Luiz, no Largo do Machado, quando era um cinema só, gigantesco, com vários andares de galerias e um lustre descomunal pendendo do teto. Saboreei "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", "Um Convidado Bem Trapalhão" e "1941" no Pathé, na Cinelândia, segunda sala de cinema do país e hoje lamentavelmente transformado em Igreja Universal. Mergulhei em "20.000 Léguas Submarinas" no cine Império, também na Cinelândia, e do qual hoje não sobrou nenhum resquício, virou um prédio comercial com janelas de vidro fumê.

Viajei com "Blade Runner" no CINE RIAN (foto embaixo à esquerda), de frente para a Praia de Copacabana, com cerca de 1000 lugares, que em 1983 deu lugar a um hotel. Me assombrei com "O Iluminado" no cine Ópera, na Praia de Botafogo, que virou loja da Casa & Vídeo. Delirei com "Pink Floyd - The Wall", "Janela Indiscreta" e "Paris, Texas" no cine Veneza, fechado até hoje e prometido para ser reaberto como centro cultural. Mas cadê patrocínio? E cadê aquele mega-cinema que abriu o FestRio 1984?

Porém o cinema do qual mais sinto falta é o extraodinário METRO BOAVISTA (foto em cima à esquerda), no Passeio Público, ao lado de onde era a Mesbla (que também acabou e virou Lojas Americanas), simplesmente O MELHOR CINEMA que essa cidade já conheceu. Foi onde me deleitei com a grande maioria dos filmes de Steven Spielberg - entre muitos outros. Quem nunca foi ao Metro Boavista não consegue imaginar como era a experiência sensorial de acompanhar Indiana Jones em busca da Arca da Aliança, das Pedras de Sankhara e do Santo Graal naquela imensa tela côncava, com som impressionante, 952 cadeiras confortabilíssimas, ar sempre gelado e pipoca sempre quentinha. Era o paraíso na Terra para qualquer um que ama o cinema!

Hoje - salvo engano - sobram apenas o Odeon, o Palácio*, o Roxy e o Leblon nas ruas do Rio de Janeiro. Enquanto isso a maioria das pessoas se aglomera em salinhas minúsculas nos shopping centers da cidade. E o pior é que acham o máximo! Definitivamente a ignorância é uma bênção.

Quando eu ganhar na mega-sena, compro o Metro Boavista e mostro a vocês como se assiste cinema de verdade.

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* Falando nisso, o cine Palácio, no Passeio Público, teve a fachada original restaurada recentemente!!! Para ver as fotos do Palácio e saber mais informações veja aqui! Em tempos de extinção e especulação, quando se vê um trabalho desses, se preocupando em recuperar o passado, significa que ainda resta uma esperança!

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(agradeço as duas fotos em p&b e os dados informativos ao meu amigo Roberto Tumminelli e ao seu excelente fotolog Carioca da Gema, com muitas histórias do Rio. Visitem!)

22 comentários:

  1. Tanto eu e o Tumminelli fizemos hoje post's sobre o Pal�cio, o meu t� aqui d� uma passadinha l� : http://ubbibr.fotolog.net/andredecourt/?pid=8793755

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  2. Cara,

    lembra do boneco do King Kong no Roxy? A pipoca do Condor...

    Gostei muito do texto.

    :-)))

    Abs

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  3. gozado, pensei nisso hoje ao passar pelas portas laterais de sa�da do velho Carioca e vislumbrar um pouco das cadeiras da agora igreja de crente fdp

    saudades do Am�rica e do Carioca!

    mas vc sabe q advogo plenamente a favor dos multiplexes, s� nao queria q meus velhos e bons cinemas virassem local de culto de fan�ticos sem c�rebro

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  4. Em copacabana ainda tinham os n�o t�o grandiosos mas tb "de rua" Condor (na Barata Ribeiro) e Copacabana. Tb tinha um no Posto 6 que n�o me lembro o nome. Ap�s o cinema era obrigat�ria a passagem na sorveteria Zero, que tinha uma cascona de sorvete na porta. Lembra?

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  5. Ah, claro, o do Posto 6 era o Caruso! Drummond disse!

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  6. Tinha tb o Art Copacabana que viropu loja de sapatos...

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  7. S� por causa disso n�o compro nem uma Havaiana naquela cadeia de sapatos

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  8. Isso me faz lembrar minha primeira namorada, programadora de cinema, que se recusava a por os p�s dentro de uma loja da C&A porque eles ficaram no lugar onde antes foram os cines Metro Tijuca e Metro Copacabana. Muito justo da parte dela.

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  9. tamb�m amava o Metro. o som l� era disparado o melhor. muito antes de todas as inven��es p�s-p�s. nunca fui ao Azteca, s� conhe�o por fotos. devia ser lindo. mas sinto falta mesmo � do Esta��o Cinema, na Prado Junior, gostava de sair direto para o Cervantes, do Lido, na praia do Flamengo, e do Bruni Tijuca, que resistiu bravamente durante muito tempo, sempre com filmes de qualidade. gostava daquele neg�cio de subsolo, embora a proje��o e o som deixassem muito a desejar. nenhum lugar perdeu mais sala do que a Saens Pe�a: Am�rica, Carioca, Bruni e os quatro Tijucas (dois ali nas Casas Olga e dois l� em cima), al�m dos mais antigos. tomara que depois do Pal�cio, algu�m salve o Path�. ele � lindo demais para acabar assim. agora, Oswaldo, de rua, que eu me lembre, voc� esqueceu do Paissandu e dos cinemas do Esta��o em Botafogo.

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  10. Tens raz�o, Denise. Mea Culpa. O Esta��o Botafogo, o Espa�o Unibanco e o Paissandu merecem todo o meu respeito e considera��o.

    Sobre os cinemas da Tijuca, s�o muitos que sumiram, mas eu nunca fui a cinema na Tijuca nem na minha inf�ncia nem na adolesc�ncia. Minha �rea era centro e zona sul.

    Mas sinto MUITAS SAUDADES do Lido!!! L� assisti alguns dos melhores filmes da minha vida!!! "Apocalypse Now" e "Monty Python e o C�lice Sagrado" no Lido 1 e "LARANJA MEC�NICA" e "PSICOSE" de Hitchcock no Lido 2!!! Al�m de um ciclo do mestre do suspense de um filme por dia na semana seguinte em que ele morreu, em 1980. E hoje virou igreja evang�lica, o mal do fim de s�culo... ai, ai...

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  11. Ai, no Lido eu ia assistir "Pele de Asno" quando era pirralha

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  12. Eu nem morava no Rio, mas de f�rias c� na terra fui ao citado Rian (onde hoje tem aquele hotel Pestana, ex-Rio Atl�ntica, absurdamente sem gra�a na forma). L� assisti "Bar Esperan�a, o �ltimo que fecha", o que me pareceu a antevis�o do pr�prio fim do Rian... Que l�stima!

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  13. O Azteca... tamb�m assistia muitos filmes l�, levado pela minha m�e. E tanto na sa�da quanto na entrada eu queria passar perto dos le�es de boca aberta que guarneciam as escadas para olhar a garganta deles. E o que via era um vidro fosco com um holofote dentro. Pra passar o tempo tinha o Cineac Trianon na min�scula rua perto do Edif�cio Avenida Central e o Capit�lio. Eram filmes a metro, a sess�o n�o terminava nunca, o fim emendava no in�cio e pronto. No Capit�lio tinha at� um rel�gio emoldurado por uma ne�n azul embaixo da tela, para lembrar a hora. N�o cheguei a assistir a s�rie do "Fu-Manch�" mas ouvi falar dela.
    O Pal�cio tinha o melhor sistema de som do Rio. O Metro Boavista era espetacular mas melhor ainda era o Metro Passeio (no mesmo lugar, antes da reforma). Quantos festivais Tom & Jerry assisti l�, com direito a gongos antes do in�cio da sess�o com o escurecimento proporcional da sala e abertura da enorme cortina. Do S�o Luiz me lembro das fotos enormes dos atores e atrizes da �poca que decoravam o corredor que levava das bilheterias � entrada principal, l� dentro. E o Roxy. E falo do Roxy, �nico. A �ltima vez que respirei l� dentro foi assistindo "O Destino do Poseidon" que hoje � velho at� em DVD... No �pera assisti "Os Dez Mandamentos", com intervalo e tudo. Na minha inoc�ncia eu pensei que o intervalo fosse entre o 5� e o 6� Mandamento. Saudaade n�o � pecado, �? C� entre n�s, tenho saudades at� do cheiro de pipoca com amendoim salgado do segundo andar da Sears em Botafogo...

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  14. Puxa, que relato simp�tico esse seu, pmr2005!

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  15. Puta merda! Eu comprei nesta loja! GRRRRRRRRRRRRRRR!

    Ah, se eu soubesse!

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  16. Oswaldo escreveu:
    os cineminhas de shopping expulsam voc� "delicadamente" no fim da sess�o. � o mesmo esp�rito do fast food: o fast movie, de alta rotatividade e a "filosofia" do t�-pouco-ligando-pra-se-voc�-gosta-de-cinema. Magia do cinema? O que � isso mesmo?

    �s vezes fico achando que sou eu o errado, porque me irrito quando cortam os cr�ditos e s� fiquei eu no cinema vendo o quem � quem daquele filme. Estou l� vendo quem fez as cenas de a��o, quem fez a Computa��o gr�fica, onde foi filmado, quem interpretou os pap�is secund�rios, e fica a faxineira meio que varrendo meus p�s, heheh

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  17. oi Oswaldo, mal de todas as grandes cidades... vivi a mesma coisa l� em Recife, os cinemas, com toda a nossa carga afetiva, sendo fechados, virando outra coisa... L�, apenas resistiu o S�o Luiz, que � enorme e super charmoso. Mas considero que aqui no Rio temos mais sorte do que em Recife, porque l�, cinemas de bairro simplesmente n�o existem mais.
    beijinhos

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  18. Muito obrigado pela solidariedade de todos voc�s! Bruno, Martha, Paulo Cesar, Elisa, Andr� DeCourt, Roberto, Denise, Ricardo e amigos. Estou fazendo um grande resgate de mem�ria no �lbum de fotos, postando minhas mem�rias e fotos dos primeiros FestRios, os festivais internacionais de cinema que aconteceram nos anos 80, tendo como base o finado Hotel Nacional. Sei que o texto � grande, mas leiam, vejam as fotos e matem as saudades, pra quem viveu aqueles grandes eventos!

    Abra�os a todos!

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  19. Sim, resta o Roxy, mas desfiguraram as colunas.

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  20. Também morro de saudades dos cinemas de rua. Meu primeiro filme ao lado de um namorado foi no Rian - e olha que eu morava em Niterói...

    Do Azteca, lembro da imponência da sua arquitetura, eu nunca cheguei a entrar. Passava por ele com a minha mãe quando, criança, visitava minha madrinha na Rua do Catete. Confesso que ele me assustava.

    Do Roxy, a melhores lembranças: adolescente, com uns 13, 14 anos, saíamos de Niterói para fazer um programa em Copacabana. O programa incluía compras e filme no Roxy. Jamais esqueço a tela imensa e o frio que senti ao assistir "Tenda Vermelha" ( acho que o nome era esse), um grupo perdido numa região polar. Perfeito.

    O Metro Boavista: a primeira vez que entrei, fui levada por uma excursão da escola em Niterói, para assistir "Goodbye, Mr. Chips". Que cinema ! Em Niterói não tinha dessas coisas, não...

    O Cine Veneza me lembra minha mãe trazendo um monte de meninas pré-adolescentes e românticas para assistir aquele filme açucarado com o Ryan O´Neil - Love Story - e todas nós barradas pelo porteiro. Não me lembro o que a minha mãe fez para nos consolar. Não deve ter adiantado muito, né ?

    Ah...vou parar por aqui porque estou prestes a escrever sobre os cinemas de Niterói da minha infância, as matinês do Cine Sâo Bento, o poeira Mandaro, Elvis Presley num cinema do Fonseca...

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  21. aqui em São Paulo acontece a mesma praga. Virou tudo estacionamento ou igreja. O pior é que o desaparecimento dos cinemas contribuiu para os paulistanos abandonarem o centro, tornando-se para muitos, infelizmente, uma área super mal vista.

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  22. Em Jacarepaguá, mais precisamente na Praça Seca, o Cine Baroneza (com Z mesmo) também não resistiu às tais Igrejas. Era um cinema imenso, boas poltronas, ar-condicionado que funcionava(!), passava filmes importantes... Toda a Jacarepaguá freqüentava o local! Lembro que com o fechamento do Cine Baroneza a Praça Seca perdeu toda a graça, e os moradores do bairro foram obrigados a ir para Madureira atrás dessa modalidade de diversão.

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